Mais uma peça desenvolvida para estudos pelo Núcleo Arame D'Arte. Para receber autorização para montá-la entre em contato com o Núcleo Arame pelo e-mail:
CORPOS
De Alexandre Rodrigues
Personagens: ELA e ELE
Durante a cena os dois se aproximam e se separam com frequência.
Ouve-se a voz dele em off. Luzes apagadas.
ELE – Somos dois corpos jogados na correnteza... Um sobre o outro, rolando com as ondas... Hora no mar, hora na areia... Sentindo a água gelada cortar nossas peles... O sol cegar nossos olhos... Estendo minha mão em direção a sua e quando elas se tocam relâmpagos caem dos céus... As nuvens escurecem dando vida a tempestade... Somos levados pela maré... Somos inebriados pela maresia... Somos separados pela tormenta...
As luzes se acendem. Eles estão abraçados.
ELA – Hoje eu descobri que você tem medo de insetos... Foi engraçado... Ver um homem tão grande... Quase um gigante... Tremendo ao ver um pequeno animal de asas... Tão simples esmagá-lo com os pés... Com as sandálias... Com os sapatos... Tão difícil alcançá-lo durante o vôo... Seus olhos, tão mar, embaçados pelo medo... Sua pele tão alva com os cabelos agitados... Sei que sua vontade era “correr subir” na cadeira... Urrar tão alto cortando o vento... Mas calou-se, cerrou os olhos, apertou os lábios e anoiteceu... Parecia uma criança brincando de desaparecer... E o buraco se abriu entre nós mais uma vez... A terra partiu sobre nossos pés... Lados opostos... Visões opostas... Corpos separados...
ELE – Você não entende... Nunca “entendeu me entendeu”... Tão centrada em si mesma, tão preocupada com o seu eu... Tão distante em teus sonhos e planos solitários... Nossos corpos a quilômetros de distância... Uma rodovia intransitável entre nós... Você de um lado da ponte... Eu do outro lado... Tão indispostos para cruzá-la...
ELA – Você fala... Não ouve... Você vê... Não “enxerga me enxerga”... Sempre tão ausente... Tão preocupado com o “nós você”... Sempre tentando me algemar, me envolver com suas garras de aço... Sufocando nossos corpos com carinhos excessivos, desgastando nossa pele... Misturando nosso odor... Edificando um muro entre nossas “casas corpos”... Distanciando nossos “corpos quintais”...
ELE – Eu queria voltar no tempo, recomeçar... O tempo em que nossas peles se atraiam... Colavam-se... “Imã carícia”... Seu cabelo a voar na brisa da manhã... O mar refletido em seu olho... A boca que se abria para beijar, para “falar amar”... O tempo dos corpos próximos, do desejo, da “paixão ardente morte”...
ELA – Morrer... Quantas vezes morri por ti... Quantas vezes me matou com suas palavras... Quantas vezes cravou em meu peito a lâmina fria afiada do “amor ódio”...
ELE – Morrer... Morri todos dia... Me perdi de mim “em você de mim de você”... Fui eliminando-me aos pedaços... Até partir meu coração ressecado, cansado...
ELA – Afasta-me do seu corpo...
ELE – Afasta-me da sua “pele epiderme”...
ELA – Desenlace seus cabelos dos meus...
ELE – Extraia suas unhas da minha “epiderme pele”...
ELA – Malas que se fazem, se desfazem...
ELE – Pedidos de “desculpas perdão”...
ELA – Medo de “ir partir”... De “vir ficar”... Hoje, quando matei o inseto com os pés... Vi meu seu reflexo na água do mar... Vi as marcas do “tempo morte”... “Relembrei lembrei de mim você”... Não posso... Você não pode... Não podemos mais...
ELE – Você sempre buscando a “solução perfeição”... Sempre sonhando com a “normalidade anormal”... Sempre sugerindo o nosso “afastamento distanciamento” de corpos...
ELA e ELE – Você chegou muito cedo à minha vida...
ELA – Não tive tempo de “ver viver sentir”... Nossos corpos estão condenados a viver assim... Você “longe perto” de mim...
ELE – Eu tento, como tento, me afastar de você... Mas meu corpo se enrosca em seus cabelos, me “perco encontro” em seus olhos... Meu corpo está aprisionado ao seu...
ELA – Meu eu está perdido em você corpo...
ELE – (pega uma revólver) Eu não posso “partir deixar” você...
ELA – Eu não posso “viver morrer” sem você...
ELE – Nossos corpos se “aproximam distanciam”... Juntos em vida, em morte...
Eles se abraçam. Ele aponta a arma para as costas dela e atira. A bala passa pelo corpo dela e pelo dele. Os dois desabam abraçados.
ELA – Meu corpo agarrado ao seu...
ELE – Meu sangue misturado ao seu...
ELA – A insuportável “dor amor” se apaga diante da “morte vida”...
ELE – “Nascemos morremos” juntos...
ELA – “Chegamos partimos” juntos...
ELE e ELA – Corpos... Corpos... Dois corpos...
Morrem abraçados.
Um comentário:
adorei!
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