3 ATOS - Escola de Artes Cênicas

3 ATOS - Escola de Artes Cênicas Rua Aquidaban, 234-b, Centro Fone: (16) 3411 1408 ou 34 16 1997

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Seleção de elenco


O NÚCLEO ARAME D’ARTE DE ESTUDOS TEATRAIS está selecionando novos atores para complementar seu elenco.

Se você tem mais (ou quase) de 18 anos e é apaixonado por Teatro venha fazer parte do nosso grupo.

Para se inscrever é muito fácil! É só copiar e preencher a ficha abaixo, em seguida enviar para o nosso e-mail (aramedarte@gmail.com) até o dia 12/03/2010.

A partir do dia 13/03 entraremos em contato com os inscritos para marcarmos uma entrevista e uma aula teste.


Ficha de Inscrição



NOME: ___________________________




IDADE: ______ anos



TELEFONE RESIDENCIAL: (_) ______


TELEFONE CELULAR:        (_) ______



EXPERIÊNCIA TEATRAL: ____________


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POR QUE VOCÊ QUER FAZER PARTE DO NOSSO GRUPO?



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Comentem!






AMIGOS e SEGUIDORES...

Gostaríamos de convidá-los para comentarem e criticarem as peças e os textos já postados e, também, sugerirem temas de textos e pesquisas para futuramente postarmos em nosso Blog...





Agradecemos a sua visita!




“O TEATRO É O PRIMEIRO SORO QUE O HOMEM INVENTOU PARA SE PROTEGER DA DOENÇA DA ANGÚSTIA.”

Jean Barrault



Dionísio, deus do TEATRO.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Texto Poético-Teatral

Mais uma peça desenvolvida para estudos pelo Núcleo Arame D'Arte. Para receber autorização para montá-la entre em contato com o Núcleo Arame pelo e-mail:





CORPOS
De Alexandre Rodrigues

Personagens: ELA e ELE

Durante a cena os dois se aproximam e se separam com frequência.

Ouve-se a voz dele em off. Luzes apagadas.

ELE – Somos dois corpos jogados na correnteza... Um sobre o outro, rolando com as ondas... Hora no mar, hora na areia... Sentindo a água gelada cortar nossas peles... O sol cegar nossos olhos... Estendo minha mão em direção a sua e quando elas se tocam relâmpagos caem dos céus... As nuvens escurecem dando vida a tempestade... Somos levados pela maré... Somos inebriados pela maresia... Somos separados pela tormenta...

As luzes se acendem. Eles estão abraçados.

ELA – Hoje eu descobri que você tem medo de insetos... Foi engraçado... Ver um homem tão grande... Quase um gigante... Tremendo ao ver um pequeno animal de asas... Tão simples esmagá-lo com os pés... Com as sandálias... Com os sapatos... Tão difícil alcançá-lo durante o vôo... Seus olhos, tão mar, embaçados pelo medo... Sua pele tão alva com os cabelos agitados... Sei que sua vontade era “correr subir” na cadeira... Urrar tão alto cortando o vento... Mas calou-se, cerrou os olhos, apertou os lábios e anoiteceu... Parecia uma criança brincando de desaparecer... E o buraco se abriu entre nós mais uma vez... A terra partiu sobre nossos pés... Lados opostos... Visões opostas... Corpos separados...

ELE – Você não entende... Nunca “entendeu me entendeu”... Tão centrada em si mesma, tão preocupada com o seu eu... Tão distante em teus sonhos e planos solitários... Nossos corpos a quilômetros de distância... Uma rodovia intransitável entre nós... Você de um lado da ponte... Eu do outro lado... Tão indispostos para cruzá-la...

ELA – Você fala... Não ouve... Você vê... Não “enxerga me enxerga”... Sempre tão ausente... Tão preocupado com o “nós você”... Sempre tentando me algemar, me envolver com suas garras de aço... Sufocando nossos corpos com carinhos excessivos, desgastando nossa pele... Misturando nosso odor... Edificando um muro entre nossas “casas corpos”... Distanciando nossos “corpos quintais”...

ELE – Eu queria voltar no tempo, recomeçar... O tempo em que nossas peles se atraiam... Colavam-se... “Imã carícia”... Seu cabelo a voar na brisa da manhã... O mar refletido em seu olho... A boca que se abria para beijar, para “falar amar”... O tempo dos corpos próximos, do desejo, da “paixão ardente morte”...

ELA – Morrer... Quantas vezes morri por ti... Quantas vezes me matou com suas palavras... Quantas vezes cravou em meu peito a lâmina fria afiada do “amor ódio”...

ELE – Morrer... Morri todos dia... Me perdi de mim “em você de mim de você”... Fui eliminando-me aos pedaços... Até partir meu coração ressecado, cansado...

ELA – Afasta-me do seu corpo...

ELE – Afasta-me da sua “pele epiderme”...

ELA – Desenlace seus cabelos dos meus...

ELE – Extraia suas unhas da minha “epiderme pele”...

ELA – Malas que se fazem, se desfazem...

ELE – Pedidos de “desculpas perdão”...

ELA – Medo de “ir partir”... De “vir ficar”... Hoje, quando matei o inseto com os pés... Vi meu seu reflexo na água do mar... Vi as marcas do “tempo morte”... “Relembrei lembrei de mim você”... Não posso... Você não pode... Não podemos mais...

ELE – Você sempre buscando a “solução perfeição”... Sempre sonhando com a “normalidade anormal”... Sempre sugerindo o nosso “afastamento distanciamento” de corpos...

ELA e ELE – Você chegou muito cedo à minha vida...

ELA – Não tive tempo de “ver viver sentir”... Nossos corpos estão condenados a viver assim... Você “longe perto” de mim...

ELE – Eu tento, como tento, me afastar de você... Mas meu corpo se enrosca em seus cabelos, me “perco encontro” em seus olhos... Meu corpo está aprisionado ao seu...

ELA – Meu eu está perdido em você corpo...

ELE(pega uma revólver) Eu não posso “partir deixar” você...

ELA – Eu não posso “viver morrer” sem você...

ELE – Nossos corpos se “aproximam distanciam”... Juntos em vida, em morte...

Eles se abraçam. Ele aponta a arma para as costas dela e atira. A bala passa pelo corpo dela e pelo dele. Os dois desabam abraçados.

ELA – Meu corpo agarrado ao seu...

ELE – Meu sangue misturado ao seu...

ELA – A insuportável “dor amor” se apaga diante da “morte vida”...

ELE “Nascemos morremos” juntos...

ELA“Chegamos partimos” juntos...

ELE e ELA – Corpos... Corpos... Dois corpos...

Morrem abraçados.




domingo, 3 de janeiro de 2010

PRECISA-SE DE MATÉRIA PRIMA PARA CONSTRUIR UM PAÍS


"PRECISA-SE DE MATÉRIA PRIMA PARA CONSTRUIR UM PAÍS"

João Ubaldo Ribeiro


                    A crença geral anterior era que Collor não servia, bem como Itamar e Fernando Henrique. Agora dizemos que Lula não serve. E o que vier depois de Lula também não servirá para nada...
                    Por isso estou começando a suspeitar que o problema não está no ladrão corrupto que foi Collor, ou na farsa que é o Lula. O problema está em nós. Nós como POVO. Nós como matéria prima de um país.
                   Porque pertenço a um país onde a “ESPERTEZA” é a moeda que sempre é valorizada, tanto ou mais do que o dólar. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família, baseada em valores e respeito aos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nas calçadas onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
                    Pertenço ao país onde as "EMPRESAS PRIVADAS" são papelarias particulares de seus empregados desonestos, que levam para casa, como se fosse correto, folhas de papel, lápis, canetas, clipes e tudo o que possa ser útil para o trabalho dos filhos...
                    E para eles mesmos. Pertenço a um país onde a gente se sente o máximo porque conseguiu "puxar" a tevê a cabo do vizinho, onde a gente frauda a declaração de imposto de renda para não pagar ou pagar menos impostos. Pertenço a um país onde a falta de pontualidade é um hábito. Onde os diretores das empresas não valorizam o capital humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos.Onde pessoas fazem "gatos" para roubar luz e água, e nos queixamos de como esses serviços estão caros. Onde não existe a cultura pela leitura (exemplo maior nosso atual Presidente, que recentemente falou que é "muito chato ter que ler") e não há consciência nem memória política, histórica nem econômica. Onde nossos congressistas trabalham dois dias por semana para aprovar projetos e leis que só servem para afundar o que não tem, encher o saco do que tem pouco e beneficiar só a alguns. Pertenço a um país onde as carteiras de motorista e os certificados médicos podem ser "comprados", sem fazer nenhum exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no ônibus, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não dar o lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o pedestre. Um país onde fazemos um monte de coisa errada, mas nos esbaldamos em criticar nossos governantes.
                  Quanto mais analiso os defeitos do Fernando Henrique e do Lula, melhor me sinto como pessoa... apesar de que ainda ontem "molhei" a mão de um guarda de trânsito para não ser multado.
                  Não. Já basta!
                  Como "Matéria Prima" de um país, temos muitas coisas boas, mas nos falta muito para sermos os homens e mulheres de que nosso País precisa.
                  Esses defeitos, essa "ESPERTEZA BRASILEIRA" congênita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos de escândalo, essa falta de qualidade humana, mais do que Collor, Itamar, Fernando Henrique ou Lula, é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são brasileiros como nós, ELEITOS POR NÓS.
                   Nascidos aqui, não em outra parte...
                   Entristeço-me.
                  Porque, ainda que Lula renunciasse hoje mesmo, o próximo presidente que o suceder terá que continuar trabalhando com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos.
                   E não poderá fazer nada...
                   Não tenho nenhuma garantia de que alguém o possa fazer melhor. Mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá.
                   Nem serviu Collor, nem serviu Itamar, não serviu Fernando Henrique, e nem serve Lula, nem servirá o que vier.
                    Qual é a alternativa?
                    Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror?
                    Aqui faz falta outra coisa.
                    E enquanto essa "outra coisa" não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados... Igualmente sacaneados!
                 É muito gostoso ser brasileiro.
                Mas quando essa brasilinidade autóctone (nativo, da terra) começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, aí a coisa muda...
                 Não esperemos acender uma vela a todos os Santos, a ver se nos mandam um Messias.
                 Nós temos que mudar! Um novo governante com os mesmos brasileiros não poderá fazer nada...
                 Está muito claro...
                 Somos nós os que temos que mudar.
                Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda nos acontecendo: desculpamos a mediocridade mediante programas de televisão nefastos e francamente tolerantes com o fracasso.
                É a indústria da desculpa e da estupidez.
               Agora, depois desta mensagem, francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe (sim, exigir-lhe que melhore seu comportamento e que não se faça de surdo, de desentendido.
               Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO.
               AÍ ESTÁ.
               NÃO PRECISO PROCURÁ-LO EM OUTRO LADO.
               E você, o que pensa?...
               É O QUE EU SEMPRE DIGO.
               “O GOVERNO SOMOS NÓS, OS POLÍTICOS, NEM TANTO ASSIM.” (Paulo Busko)
                "MEDITE!!!"
                 E eu acrescento: o que nos falta é EDUCAÇÃO!



sábado, 2 de janeiro de 2010

ANTROPOLOGIA DO TEATRO: A ARTE E A EDUCAÇÃO


ANTROPOLOGIA DO TEATRO: A ARTE E A EDUCAÇÃO
Bim de Verdier, mestre em Artes Cênicas
Departamento de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC
Como ensinar a atuar?
                                           Numa sociedade contemporânea, o pedagogo de teatro se pergunta como é possível ensinar a arte teatral, conhecimentos tradicionalmente transmitidos de mestre para aprendiz, muitas vezes começando cedo na infância. Hoje a arte teatral é freqüentemente ensinada em instituições acadêmicas e o aprendiz de teatro se transformou em estudante universitário. Mas, além de ser um saber teórico, a arte também é um saber prático, artesanal, muitas vezes de caráter tácito. Como poderia o ensino de teatro ser inserido no contexto acadêmico sem perder suas qualidades específicas? (...)
                                          Quando se fala em teatro, pensa-se freqüentemente em prédios com palco, textos dramáticos rebuscados, ingressos caros e glamour. Num sentido mais amplo da palavra, somente são necessários o público, o ator e a representação de uma história através de um processo mimético e de gestos. Na sua Poética, Aristóteles escreveu tanto sobre a importância do teatro para a formação da cidadania numa democracia, quanto sobre os componentes fundamentais supracitados (ARISTÓTELES, 1990). Além desses aspectos terem sido abordados num contexto filosófico há dois milênios e meio atrás, eles são também sabedoria corrente, muitas vezes não formalizada, do Teatro Popular no mundo inteiro.
                                          O teatro consiste em forma e conteúdo, mas a relação entre os dois não é simples.
                                         “A forma serve ao conteúdo”, uma suposição muitas vezes escutada, banaliza demais quando na verdade é uma relação dialética. O conteúdo se cria na forma, nasce a partir de técnicas e essas se transformam a partir das mensagens, das histórias, dos códigos. Também é dialética a relação entre o teatro e a sociedade. O teatro espelha a realidade onde está inserido, adapta-se e se modifica; passa obstáculos e limites com criatividade e serve como instrumento transformador. O teatro está intrinsecamente ligado ao processo de democratização. A própria palavra teatro vem do grego e significa “local de se ver”, um espaço público onde se podem revelar e discutir as questões essenciais da vida e preparar a pessoa para desenvolver reflexões necessárias para exercer seus direitos e deveres de cidadão. A ligação entre o que significa ser humano e a prática teatral é tão profunda que a própria palavra pessoa vem de “persona”, cujo significado é a máscara grega usada pelo ator. (ROSENBERG, 2001).
                                        Os exemplos de como o teatro reflete os processos democráticos numa sociedade e de como pode ser usado como instrumento neste processo são inúmeros. A formação do ator depende da tradição teatral específica e da relação entre o teatro e a sociedade. Tem, por isso, um caráter diferente em sociedades diferentes. A construção do espaço cênico, o que é apresentado no palco, o que é e o que não é permitido representar, quais são as obras dramáticas, como são pagas as despesas de produção, quem está na platéia, qual é o status social do ator são exemplos de fatores que variam de um contexto sócio-cultural para outro. Assim, não foi por acaso que o teatro grego brotou a partir das festas dionisíacas simultaneamente com a democracia e que precisava de um coro para dar voz aos pensamentos do povo; que os contadores de história do Senegal, os “griots”, eram da casta mais baixa; que a corte francesa ficou provocada a ponto de proibir os atores da Commedia dell’Arte a falar, criando assim a pantomima francesa; que Federico Garcia Lorca foi assassinado pelos fascistas espanhóis, que Bertolt Brecht preferiu o teatro épico; que Augusto Boal foi exilado na época da ditadura.
                                        Implícito em cada história sobre o atual está a sua própria prolongação. No teatro, quando se comenta a realidade, pode-se sempre inserir uma visão sobre o futuro. Nesse sentido, teatro não é somente uma arte mimética, mas pode ser também uma arte que constrói novas realidades.

“O mundo é um palco,
e todos os homens e mulheres, meros atores.
Têm suas entradas e suas saídas;
Cada pessoa na sua vida representa vários papéis.”

Jacques (o alter ego do autor) em Como Quiser, de William Shakespeare

                                          (...) Segundo o diretor mundialmente conhecido, Peter Brook, nesse sentido o teatro tem vantagens comparado a outras artes que utilizam atores, por exemplo, televisão e filme. O público, diz ele, “vai ao teatro por uma única razão: viver certa experiência, que só acontece no momento da representação”. (BROOK, 2002). Um espetáculo teatral é um encontro no momento, várias pessoas juntas acompanhando e se emocionando pelos mesmos acontecimentos. Não devemos subvalorizar isto na nossa era de tantos encontros e desencontros virtuais e eletrônicos, pois a necessidade primordial do ser humano é o contato com outras pessoas.
                                       Teatro é uma linguagem universal. Aqui usamos o conceito antropológico de universal, isto é, o ser humano em todas as culturas desenvolveu tradições miméticas de reunir membros de uma comunidade para contar e construir sua história, suas crenças e aspirações e de refletir sobre elas. (...)
                                         O conhecimento teatral tem em grande parte um caráter tácito. Uma vez aprendido está na memória corporal, mas é difícil explicitar. Não deve ser, entretanto, confundido com o conceito do não-falável de Wittgenstein (1979). É possível tanto conhecer como explicar, mas para isso é necessário ultrapassar as convenções acadêmicas e usar métodos participativos e métodos da própria arte cênica. No mundo acadêmico, para combater a tão falada “crise da ciência” convém abrir espaços para arte. Segundo Aristóteles, o homem precisa tanto do conhecimento teórico (episteme) quanto o prático (techne) para alcançar a sabedoria maior; para que possa, a partir do episteme, agir com ética na realidade (fronesis). (ARISTÓTELES, 1967).
                                        O ator é seu próprio instrumento e como tal necessita ser flexível a ponto de poder se adaptar a várias técnicas. (...) O ator necessita de uma formação que o possibilite a emprestar seu corpo e sua voz aos mais variados estilos e histórias imagináveis. (...)
                                        (...) Um curso de Artes Cênicas que desenvolve relações com a comunidade local tem várias vantagens: um espaço para fazer pesquisas e desenvolver projetos, uma fonte para procurar temas a serem trabalhados e fácil acesso a um público teste. Em troca, a comunidade teria acesso às varias produções teatrais. As produções são organizadas pedagogicamente, de forma que cada produção (momento do curso) oferece novos desafios e possibilita a aquisição de novos conhecimentos. Um exemplo disso é um curso de teatro infantil no qual os estudantes fazem visitas a escolas, estudam psicologia infantil, literatura e textos dramáticos infantis, a história deste teatro e, finalmente, criam, produzem e apresentam um espetáculo. As crianças das escolas visitadas estão necessariamente entre o público e ajudam no processo de avaliação.
                                       (...) A sugestão aqui é de elaborar exercícios a partir dos princípios universais e não de seguir um estilo específico. (...)
                                       O psicólogo russo Lev Semenovic Vygotsky enfatizou que a arte dramática e a imaginação em geral sempre se baseiam nas experiências de vida da pessoa. Essas experiências são transformadas, deturpadas e montadas de uma forma fantástica para se tornarem ficção, mas sempre com fundamento na realidade. A atividade criativa é, portanto, circular. Ela se origina em elementos retirados do cotidiano da pessoa, do seu meio, processam-se dentro dela e voltam para a realidade com nova força transformadora. Nessa atividade, a capacidade emotiva e a cognitiva são simultaneamente necessárias. Cada processo criativo origina-se num desejo, numa necessidade e a partir de uma imagem. As obras de arte não são somente fantásticas, são novas realidades, são imaginação cristalizada. (VYGOTSKY, 1995).
                                       Aumentando as experiências, aumenta a capacidade de criar mais e melhor na prática teatral. Podem-se destingir três tipos de comportamentos: os diários, os extradiários e os virtuosos. Para o ator os movimentos extradiários são de maior interesse. Aprendidos vão ficar na memória corporal, assim como o montar a cavalo molda para sempre o corpo e os movimentos do vaqueiro; assim como a bailarina sempre leva consigo a experiência corporal de alongamento e equilíbrio. É dessa forma que os princípios da Antropologia de Teatro vão ser incorporados no ator que treina a partir deles.
                                      Um treinamento físico baseado nesses universais dá ao aluno aprendiz uma vasta experiência corporal de movimentos extradiários, uma base de comportamentos que depois servem de matéria prima na criação teatral, nas improvisações, na interpretação. Um treinamento físico elaborado a partir desses princípios possibilita a aprendizagem de conhecimentos corporais, tácitos. Exercitando movimentos novos, criam-se conexões neurológicas novas. Esse tipo de aprendizagem de processo é mais duradouro que outros tipos de aprendizagem.
                                    O uso da memória corporal tem semelhanças com o método sugerido por Stanislavski, no qual o ator usa a memória afetiva na criação do personagem. Uma sereia é, segundo Vygotsky, uma junção imaginaria de um rabo de peixe com um corpo de uma mulher. O personagem do vagabundo criado por Charlie Chaplin é também uma composição fictícia de elementos: gestos, movimentos, posições que na realidade normalmente não se combinam.
                                  O treinamento do ator aqui proposto amplia a base de referência de movimentos possíveis, das experiências de comportamentos extradiários e recondiciona o corpo. Durante a vida, uma pessoa normalmente vai aperfeiçoando certos tipos de comportamentos corporais e excluindo outros, eliminando assim possibilidades movimentais e gestuais. Por exemplo, tanto os movimentos suaves, flutuantes, ditos femininos, quanto os fortes, bruscos, ditos masculinos, precisam ser treinados por estudantes de ambos os sexos. O teatro é uma arte transvestida.
                                  Ensinar arte não é somente transmitir técnicas. É também facilitar a ultrapassagem dos obstáculos que limitam a criatividade e procurar métodos para superar barreiras, medos, tabus, convenções e estereótipos.

Fonte: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art3_14.pdf








Peça de Teatro: TORMENTO

Mais uma peça desenvolvida para estudos pelo Núcleo Arame D'Arte...

Para receber autorização para montá-la entre em contato com o Núcleo Arame pelo e-mail:


TORMENTO
de Alexandre Rodrigues

Personagens: LAURA, LUIZA, PEDRO, FAUSTO, MÃE E UM HOMEM COM CAPUZ.


CENA 1

Laura – Você tem certeza?


Luiza – Claro que eu tenho! Olha aqui, você lembra quantas vezes eles nos confundiram...


Laura – Eu sei, mas isso foi no começo do nosso namoro...


Luiza – Você fala como se não soubesse como são os homens. Minha irmã me responde uma coisa: ele percebe quando você corta os cabelos?


Laura – ... Não... Mas...


Luiza – Mas nada! Eles não vão perceber. E nós vamos nos divertir muito! Topa ou não?


Laura – Ainda não sei...


Luiza – Então deixa pra lá! Vamos esquecer esta história! Eu vou para minha casa que a babá pediu para sair mais cedo...


Laura – Está bem... Espera... Eu topo...

CENA 2



Laura – Foi assim que tudo começou. Curiosidade... Desejo...


Luiza – Acima de tudo desejo... Libido...


Laura – Nós nascemos no mesmo dia, no mesmo mês...


Luiza – Mas ela é cinco minutos mais velha...


Laura – Mesma mãe, mesmo pai... Começamos a namorar na mesma semana...


Luiza – Com garotos diferentes...


Laura – Bem diferentes... Pedro, meu marido... Sempre foi mais...


Pedro – Lá vem você... Ela agora vai dizer que eu sou mais calmo que o outro...


Laura – Mais calmo...


Pedro – Mais honesto, mais trabalhador...


Luiza – Você já está exagerando, Laura!


Laura – Mais honesto, mais trabalhador... Mas, infelizmente...


Pedro – Você não vai ter coragem de dizer... Eu te proíbo, Laura!

Luiza – Ela não vai conseguir! Sempre tão cheia de pudor...


Laura – Ele, bem... Nós quase nunca...


Luiza – Chega de rodeios! Eles quase nunca faziam sexo... Ele era tipo: papai-mamãe, de vez em quando! (ri)


Pedro – Como você é vulgar Luiza... Você sabe, Laura, eu já havia te explicado, tantas vezes... Afinal de contas, você era minha mulher, não uma prostituta... Eu te queria como uma esposa... Agora essa sua irmã, com esse fogo... Essas roupas insinuantes, sempre se oferecendo... Com os seios sempre a mostra... Uma vadia! Isso!


Luiza – Bem que você gostou, não foi, Pedro? E me disse cada coisa... Coisas que ele nunca te disse, Laura. Coisas que ele nunca diria a outra mulher...


Laura – Chega! Quando eu via as marcas no pescoço de Luiza... As marcas do prazer que ela sentia com seu marido... Eu tremia! E ela fazia questão de me contar às coisas que eles faziam na cama... Contava todos os detalhes... E eu queimava, ardia! Mas em casa... Quantas vezes Pedro chegava e dizia estar cansado...


Pedro – Mas eu estava... Laura, eu trabalhava o dia inteiro. Naquele dia tive uma reunião com um cliente que me torrou a paciência... Quero tomar um banho e dormir!


Laura – E dormia! E eu rolava na cama, queimando! (Luiza ri) E no outro dia a mesma coisa...


Luiza – Comigo foi bem diferente, Laura! Ele estava quente, muito quente... Mais quente até do que meu próprio marido... (ri)


Laura – Nunca! Você fica me dizendo que sou eu a culpada... Mas eu não sou! Eu fazia de tudo... Eu me lembro uma vez que fiz tudo, tudo mesmo, mas...


Pedro – Você parecia uma vadia! Eu te estranhei... Senti nojo... E pensei: minha mulher tem um amante!


Laura – Mas eu não tinha... Eu queria ser sua mulher... Eu queria ser mulher!


Luiza – Comigo, ele foi ótimo... Ardente! Nunca senti tanto prazer! Parecia que muitos homens me tocavam, muitas mãos passeavam pelo meu corpo... Eu gritava! E ele dizia coisas deliciosas, enquanto lambia minha nuca...


Laura – Chega!


Pedro – Eu pensava que era você, Laura! Você sabe disso...


Laura – Pensava...? Mas comigo nunca fez desse jeito... Nunca!


Luiza – Não tente se explicar, Pedro. Ela sabia, ela quis, ela sugeriu a troca... Ela desejava o meu marido...


Laura – Não!


Luiza – Sim. Desejava, sim! Chegou a minha casa e disse que queria conhecer um homem de verdade... Que queria sentir o que eu sentia! E então propôs a troca... Eu vi nos seus olhos! Eles queriam... O seu corpo inteiro queria! E eu topei... (ri) Só não esperávamos que...


Pedro – Como você pode, Laura? Você, a mãe dos meus filhos... Meu Deus... Meu Deus...


CENA 3


Luiza – Topa! (Bate palmas e ri) Minha irmã virou uma mulher determinada, decidida... (ri)


Laura – Pare de rir Luiza... Eu estou cansada, eu não agüento mais... Eu não acho que sexo é essencial...


Luiza – Não? Olha, Laura, não precisa ficar se explicando... Eu te entendo. E topo porque toda relação tem os seus momentos de tédio, e nada melhor do que uma traição para reacender a paixão... (ri)


Laura – Promete que ninguém nunca vai ficar sabendo! Promete, Luiza?


Luiza – E você acha que eu quero perder o meu marido! Eu o amo, Laura! E só vou fazer isso por você! Ouviu? Por você minha irmã...


CENA 4


Laura – Por mim? Por mim coisa nenhuma... Por mim... E olha minha vida agora... Olhe o que restou da minha vida!

Luiza – Como você é dramática, Laura! Você tem o que queria, o meu marido! (ri) Tudo bem, que parece que nada mudou para você, não é Laura? Fausto, deve sentir muito a minha falta!


Laura – Sua falta? Você se esquece que ele não sabe de nada...


Luiza – É mesmo, ainda não sabe... Mas vai saber, mais cedo ou mais tarde... Vai saber... E vamos estar todos aqui... (ri) E o que será que vai acontecer com minha irmãzinha? (ri)


Laura – Chega! Eu não agüento esse teu cinismo...


Luiza – Cínica é você Laura... Por que sustenta esta mentira? Por que não conta à verdade para Fausto...? Tens medo do quê? Medo de quem? Não percebes que não tens mais nada! Sua filha, cadê?


Laura – Está no quarto...


Luiza – Não a minha, a sua filha... A minha eu sei que está no quarto! Mas e a sua... (Laura começa a chorar) E choras por quê? Por quem?


Pedro – Como você pode Laura? Me trair, deixar nossa filha...


Laura – Eu não deixei, vocês sabem... Eu fui obrigada!


Pedro – Obrigada, por quem?


Laura – Pela situação...


Pedro – Situação que você mesma provocou... Não é, Laura?


Laura – Não...


Luiza – Não? (ri)


Laura – Eu não sei... Não sei... Deixem-me em paz! Deixem-me em paz...


Luiza – Você não percebe que nunca vai ter paz! (Luiza e Pedro saem de cena rindo)


CENA 5

Fausto – O que está acontecendo?


Laura – Nada...


Fausto – Com quem você estava conversando?


Laura – Ninguém...


Fausto – Luiza, eu já disse... Você devia procurar um médico... Desde a morte da sua irmã, você tem estado muito diferente...


Laura – Diferente? Como, Fausto?


Fausto – Diferente... Fala sozinha, vive chorando pela casa... E...


Laura – E?


Fausto – Você sabe, Luiza...


Laura – Sei, sei sim, Fausto! Seu problema é na cama, não é?


Fausto – Não é isso...


Laura – Ah, não! Por que você não diz que eu mudei com você na cama...? Diz! Eu não ajo mais com uma prostituta... Não é isso?


Fausto – Não é isso...


Laura – Claro que é, Fausto! Deixe de ser hipócrita!


Fausto – Você não está bem, Luiza! Não está nada bem...


Laura – E você sabe por quê?


Fausto – Deve ser por causa da sua irmã... Vocês se davam muito bem... E...


Laura – Será que você não percebe, Fausto? Olhe bem para mim... Você não percebe a diferença?


Fausto – Do que você está falando?


Laura – Saia daqui... Saia daqui... Deixe-me sozinha! Sai daqui... Sai daqui... (Fausto sai)


CENA 6


Laura – Maldita hora que eu ouvi seus conselhos, Luiza... Maldita hora!


Luiza – Você não vai aprender nunca, não é, Laura? Não se fala assim com homem que acabou de chegar do trabalho! Você devia recebê-lo com um beijo... Afinal de contas, ele é seu marido!


Laura – Meu não, seu... Fausto é o seu marido! O seu marido! (chora)


Luiza – Que triste, não é, Laura! Saber que ele é o meu marido, não seu... Sempre o meu marido! Ele não sabe da nossa troca, mas sente... (ri) Nós sempre fomos muito diferentes! Aqui fora, até que somos iguais... Mas aqui dentro... Eu sou Luiza, e você Laura, por mais que tente, nunca... Escute bem! Nunca vai conseguir, ser ou agir como eu... (ri) E posso te contar um segredinho? (entra Pedro) Até o Pedro sabia que eu não era você...


Laura – Mentira! Ele pensava que era eu... Pensava...


Luiza – Isso é o que você pensa... (ri)


Pedro – Você não vai acreditar nela... Laura, não acredite nela!


Luiza – Naquele dia... Eu fui para sua casa e você para minha, como havíamos combinado... Quando Pedro chegou e eu o beijei... Ele estranhou, afinal, você nunca o havia recebido assim, não é, Laura?


Laura – Continua...


Luiza – Então, eu tirei seus sapatos... E disse-lhe que estava tudo pronto para o seu banho... Ele me olhou de um jeito, Laura... Fico arrepiada só de lembrar...


Laura – Nojento!


Luiza – (ri) Então ele entrou no banho... Tirei a minha roupa e entrei atrás dele... Você lembra, Pedro?


Pedro – Você nunca tomava banho comigo, Laura...


Luiza – Então, de repente... Quando já estávamos na cama... Ele chamou meu nome...


Pedro – Luiza!


Luiza – Luiza! O meu nome, não o seu Laura... O meu...


Laura – Mentira!


Pedro – Luiza!


Laura – Mentira...


Luiza – Ele sabia que não era você, Laura! Ele sabia...


Pedro – Não... Eu não sabia!


Luiza – Sabia, e me amou... E gritou meu nome, uivava meu nome... Luiza! (ri)


Pedro – Luiza!


Laura – Não é verdade... Não é verdade!


Luiza – É verdade, sim! E sabe, Laura, acho que até Fausto percebeu que não era eu... (ri) Afinal, foi a primeira vez em cinco anos de casamento... Ouve bem! A primeira vez, a primeira noite em que ele não fez amor com sua esposa! (ri) Você percebe como ele te trata? Pensa que você está doente! Acho que ele deveria saber que você não é, e nunca será a sua esposa... Porque a verdadeira esposa de Fausto sou eu, Laura!


Laura – Mas você está morta!


Luiza – Estou? Até tinha me esquecido... Agora, você não consegue se esquecer daquela noite, não é?

CENA 7

Luiza – Como foi no trabalho, meu amor?


Pedro – Bem!


Luiza – Senti tanto sua falta... (beija-o)


Pedro – O que significa isso?


Luiza – Saudade! (beija-o novamente) Eu preparei o seu banho... Hoje você vai ter um jantar muito especial...

CENA 8

Fausto – Meu amor! (Tenta beijá-la)


Laura – (afastando-se) Não...


Fausto – Aconteceu alguma coisa?


Laura – Não... Um pouco de dor de cabeça!


CENA 9

Pedro – Meu Deus!


Laura – Eu não quero lembrar...


Luiza – Mas vai lembrar, Laura... Eu e Pedro fizemos amor no banho!


Laura – Chega, Luiza!


Luiza – Depois, fomos para cama e fizemos amor de novo...


Pedro – Eu lembro...


Laura – Lembra? Nojento! Canalha!


Luiza – De quem foi à idéia, Laura? (silêncio) Depois...


CENA 10

Pedro – Luiza! Luiza!


Luiza – Você foi ótimo, Pedro!


Pedro – Que barulho é esse?


Luiza – Não sei! (grita) Parece que estão quebrando a janela...


Pedro – Eu vou descer...


Luiza – Pedro, não... É melhor chamarmos a polícia...


(Pedro vira-se para ela, neste momento entra um homem de capuz e atira nas costas de Pedro, ele cai sobre Luiza que grita.).


Luiza – Não! Pedro... (para o homem) Não... Por favor, não! Por favor...


(O homem atira em Luiza, rouba alguns objetos e sai).


CENA 11


Laura – Por que isso foi acontecer? A minha vida acabou naquele dia...


Luiza – A sua não, Laura, a nossa...


Laura – Vocês não sabem o que passei, o que tenho passado... Enquanto você e Pedro... Eu e Fausto...

CENA 12


Fausto – Meu amor... Vem para cama, vem...


Laura – Fausto... Eu não posso! Isso não é certo... Eu... (toca o telefone) Pronto!


Mãe – Luiza, minha filha... Aconteceu algo terrível! (começa a chora)


Laura – O que foi mãe?


Mãe – A Laura... O Pedro...


Laura – O que aconteceu com eles?


Mãe – Eu não sei... Mas ligaram da polícia... Eles estão mortos...


Laura – Mortos? (larga o telefone e despenca sobre a cama)


Mãe – Luiza! Luiza...

CENA 13


Pedro – E por que você não contou? E por que você não disse a verdade? Por que não falou para todos sobre a troca...


Laura – Eu não podia, Pedro...


Pedro – Laura...


Laura – Eu não podia, vocês sabem...

CENA 14


Mãe – (corre e abraça a filha) Luiza, minha filha... (chora)


Laura – Mãe...


Mãe – Como isso foi acontecer? Meu Deus! Mataram minha filhinha... (chora)


Laura – Mãe...


Mãe – Ainda bem, que ainda tenho você, Luiza... (chora enquanto Laura a abraça)


CENA 15


Luiza – Ela me amava mais do que a você, Laura!


Laura – Eu soube disso naquele momento...

CENA 16


Mãe – Graças a Deus, que não foi você, Luiza... Graças a Deus! Graças a Deus!


CENA 17

Laura – Ainda a ouço dizer...

CENA 18


Mãe – Graças a Deus! Minha filha querida... Graças a Deus, que não foi você, Luiza...


CENA 19


Pedro – E nossa filha? Como você pôde?


Laura – Eu queria Pedro, mas eu não consigo...


Luiza – E sabe por quê?


Laura – Pensei em mamãe, na vergonha...


Luiza – Cínica!


Laura – O quê?


Luiza – Muito cínica! Nós duas sabemos o porque... Você sempre teve inveja de mim, Laura...


Laura – Nunca...


Luiza – Sempre! Quando éramos crianças você já fingia ser eu... Quantas vezes!


Laura – Era uma brincadeira, nós duas...


Luiza – E você gostava... Queria usar minhas roupas, até mesmo quando elas eram iguais... Você desejava a minha vida, você sempre quis...


Laura – Não...


Luiza – E agora que tem o que sempre desejou, percebe que nada adiantou... Você nunca vai conseguir ocupar o meu lugar, nem mesmo com mamãe...


CENA 20

Laura – O que foi mamãe, o que foi...


Mãe – Não sei... Você está muito estranha, Luiza... Se sua irmã não estivesse morta eu...


Laura – Não... Mamãe, eu estou aqui... A sua Luizinha está aqui!


Mãe – Não sei... Acho que é melhor você ir embora!


Laura – Mãe, o que está acontecendo?


Mãe – O que está acontecendo? Não sei... Vai! Eu quero ficar sozinha...


CENA 21


Luiza – Mamãe sente a minha falta... E você, Laura, não vai conseguir ocupar o meu lugar dentro do coração dela... Nem no dela, nem no de Fausto, nem no de minha filha...


Laura – Como eu queria que tudo isso fosse um sonho...


Pedro – Mas não é...


Laura – Como eu queria acordar e saber que tudo isso é um pesadelo horrível...


Pedro – Mas não é...


Laura – Eu sei que não, Pedro!


Luiza – Você devia estar feliz, Laura. Afinal, tem tudo o que sempre desejou: minha família, minhas roupas, minha vida... Tudo o que sempre quis! (ri) É, Laura, ou você prefere que eu te chame de Luiza...


Laura – Chega! Se eu soubesse... O que combinamos era uma noite, só uma noite! Eu não tenho culpa do que aconteceu... Eu não queria que fosse assim! Queria a minha vida de volta! Queria o meu marido de volta...


Luiza – Mentira!

CENA 22

Fausto – Luiza!


Laura – (abraça-o) Que bom que você está aqui... Eu estava me sentindo tão sozinha... Que bom! Que bom!


Fausto – Calma, Luiza! Calma!


Laura – Eu sempre quis abraça-lo assim...


Fausto – Você quer fazer amor?


Laura – (afastando-se dele) Não.


Fausto – Por quê? Por que, Luiza?


Laura – Não sei... Eu ainda não me sinto bem. Eu só quero poder abraçá-lo... (tenta abraçá-lo, mas ele afasta-a)

CENA 23

Pedro – Chega!


Luiza – Você não percebe que homem nenhum quer essa vidinha que você oferece? Não é, Pedro?


Pedro – É... Quer dizer, não!


Luiza – É melhor não dizer nada, Pedro! (ri) Você não consegue fazer um homem feliz, Laura! (ri) Minha irmãzinha, tão cheia de pudores!


Laura – Basta, Luiza! Chega...


Luiza – Então, chame Fausto e lhe conte tudo...


Laura – Não!


Pedro – Conta, Laura! É melhor para todos nós...


Luiza – Ele vai sofrer, mas pelo menos vai entender o que está acontecendo...


Laura – Mas e mamãe? E as pessoas...


Pedro – Conta, Laura! Lembre-se de nossa filha, você quase não a vê... Ela sente muita falta da mãe!


Luiza – Você é fraca, Laura! Não percebe que esta mentira é maior do que você pode suportar...


Pedro – Conta, Laura! Conta...


Laura – (grita) Fausto!

CENA 24
Fausto – O que está acontecendo, Luiza?


Laura – Precisamos conversar...


Fausto – Mas estou indo para uma reunião, depois a gente se fala...


Laura – Depois, não! Agora, nós precisamos conversar agora!


Fausto – Não deve ser algo tão importante, Luiza! Eu vou indo...


Laura – Espera! Você precisa ouvir... Muita coisa aconteceu desde o dia do assalto...


Fausto – De novo esta história, Luiza!


Laura – De novo, sim! Vamos falar sobre a verdade, Fausto! Uma verdade que nunca foi dita antes... A verdade! Você sabe o que significa: verdade?


Fausto – Do que você esta falando, Luiza? Enlouqueceu?


Laura – A verdade! É tão fácil escondê-la! (ri) Tão fácil mentir, enganar... Mentir, Fausto! A mentira existe, mas e a verdade? O que é a verdade, Fausto? Ela existe? A sua verdade... A minha verdade! Qual é a verdadeira verdade? A verdade é que sempre mentimos... Sempre, fingimos ser o que gostaríamos de ser! Mas não somos, Fausto! E mentimos tanto, que muitas vezes acreditamos nas nossas próprias mentiras... Então ficamos sem saber o que é verdade! Não sabemos mais se tudo o que vivemos é real... Mas quem quer viver o mundo real? Ninguém... Nem eu, nem você! Desejamos sempre mais do que temos! Desejamos ser o outro, ter o que o outro tem... E quando estamos sozinhos, no escuro... A cabeça encostada no travesseiro pesa! Pesa tanto que nos faz adormecer! E então os nossos fantasmas, nossos medos mais profundos, invadem nossas cabeças e temos pesadelos horríveis! E queremos acordar! E descobrimos que nunca estivemos acordados! Vivemos o sonho, a incrível mentira que criamos para nossa vida! Vivemos a vida de tantos que gostaríamos de ser! E o que eu sou realmente se perdeu em tanta mentira... Então... Já não sabemos se queremos voltar! Acordar não é tão fácil como mentir... A verdade nos machuca! Nos arranha! Nos destrói! A mentira, Fausto, deveria ser a verdade... E a verdade... Ah! A verdade essa deveria ser esquecida! (ri) Porque tudo o que eu quero agora, Luiza! Pedro! Tudo o que eu quero agora é viver a minha mentira! (ri) A minha mentira começa agora... E vou dormir e sonhar por muito tempo, talvez pela vida toda! E se vocês, fantasmas, tentarem me atormentar... Serão sufocados pela verdade... Engraçado! Serão sufocados pela minha verdade... (agarra Fausto, beija-o ardentemente e fazem sexo).


FIM