3 ATOS - Escola de Artes Cênicas

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segunda-feira, 14 de março de 2011

BODAS DE SANGUE de Federico Garcia Lorca/ Tradução de Alexandre Rodrigues (Primeiro Ato)

BODAS DE SANGUE

Federico Garcia Lorca
Tradução de Alexandre Rodrigues


Personagens:

A CRIADA da noiva
A LUA A MÃE do noivo
A MULHER de Leonardo
A NOIVA A SOGRA de Leonardo
A VIZINHA do noivo
LENHADOR 1
LEONARDO
MENINA MOÇA 1
MOÇA 2
MOÇA 3
MENDIGA
O NOIVO
O PAI da noiva
MOÇO 1
MOÇO 2
LENHADOR 2
LENHADOR 3

PRIMEIRO ATO
PRIMEIRO QUADRO
Sala amarela.

O NOIVO – (entrando) Mãe.

A MÃE – O quê?

O NOIVO – Já vou.

A MÃE – Onde?

O NOIVO – Às vinha. (vai sair)

A MÃE – Espera.

O NOIVO – Você quer alguma coisa?

A MÃE – Filho, o farnel.

O NOIVO – Deixa. Eu comerei uvas. Dá-me a navalha.

A MÃE – Para quê?

O NOIVO – (rindo) Para cortar as uvas.

A MÃE – (entre os dentes buscando a faca) A navalha, a navalha... Malditas sejam todas as navalhas e quem as inventou...

O NOIVO – Vamos mudar de assunto.

A MÃE – E as espingardas e as pistolas e todas as facas, e até as enxadas.....

O NOIVO – Chega.

A MÃE – Tudo o que pode cortar o corpo de um homem. Um homem bonito, com uma flor na boca... Que vai às vinhas e oliveiras, porque são dele, herdadas...

O NOIVO – (abaixando a cabeça) Quer ficar quieta?

A MÃE – ...E esse homem não volta. Ou se volta é para colocarem em cima das mãos dele um cravo ou um prato de sal grosso para que ele não inche. Não sei como você se atreve a andar com uma navalha, nem como eu deixo essa serpente guardada dentro do baú.

O NOIVO – Já não basta?

A MÃE – Mesmo que eu vivesse mil anos, não falaria de outra coisa. Primeiro seu pai, que cheirava a cravo, que só tive por três curtos anos. Depois seu irmão. É justo isso? É possível que uma coisa tão pequena como um revólver ou uma faca possa matar um homem, que é um touro? Não vou me calar nunca. Passam os meses e sinto o desespero arder dos meus olhos até as pontas dos meus cabelos.

O NOIVO – (firmemente) Vamos parar?

A MÃE – Não. Não vamos parar. Quem vai me trazer seu pai de volta? E seu irmão? E depois, a cadeia. O que é a prisão? Lá comem, fumam, ouvem música. Meus mortos cobertos de terra, sem falar, reduzidos a pó, dois homens que eram como gerânios. Os assassinos, na prisão, sossegados, vendo as montanhas...

O NOIVO – A senhora quer que eu os mate?

A MÃE – Não... Se falo é por que... Como eu não falaria, vendo-o sair por essa porta? É que eu não gosto de vê-lo com a navalha. É que... Eu não queria que você fosse à vinha.

O NOIVO – (rindo) Ora!

A MÃE – Queria que você fosse mulher. Você não iria para o campo agora e bordaríamos, as duas, babados e cachorrinhos de lã.

O NOIVO – (abraço a mãe e ri) Mãe, e se eu levá-la comigo à vinha?

A MÃE – Que é que uma velha como eu faria nas vinhas? Ficaria debaixo das parreiras?

O NOIVO – (levantamento os braços) Velha, muito velha, velhíssima.

A MÃE – Seu pai que me levava. Boa família. Bom sangue. Seu avô deixou um filho em cada canto. Eu gosto disso. Os homens, homens; o trigo, trigo.

O NOIVO – E eu, mãe?

A MÃE – Você, o quê?

O NOIVO – Eu preciso dizer outra vez?

A MÃE – (séria) Ah!

O NOIVO – A senhora acha ruim?

A MÃE – Não.

O NOIVO – E então?

A MÃE – Nem eu mesma sei. Assim, de repente, estranho. Eu sei que a moça é boa. Não é mesmo? Bons modos. Trabalhadeira. Amassa seu pão e costura seus vestidos, e, mesmo assim, quando falo nela é como se me dessem uma pedrada na testa.

O NOIVO – Bobagem.

A MÃE – É, absurdo. É que só tenho você. E fico muito triste porque vai embora.

O NOIVO – Mas a senhora vem conosco.

A MÃE – Não. Não posso deixar seu pai e seu irmão aqui sozinhos. Tenho que ir lá todas as manhãs, e se vou embora, pode ser que morra um dos Félix, da família dos assassinos, e queiram enterrá-lo ao lado dos nossos. E isso não! Nunca! Porque eu o desenterro com minhas próprias unhas e os mando para o inferno.

O NOIVO – (firme) Vai começar de novo?

A MÃE – Desculpe-me. (pausa) Há quanto tempo vocês se vêem?

O NOIVO – Três anos. Desde que comprei a vinha.

A MÃE – Três anos. Ela teve outro noivo antes de você, não teve?

O NOIVO – Eu não sei. Acho que não. As moças têm que olhar bem antes de se casarem.

A MÃE – Sim. Eu não olhava para ninguém. Olhei para o seu pai, e quando o mataram virei o rosto para a parede e mais nada. Uma mulher e um homem, e acabou-se.

O NOIVO – Você sabe que minha noiva é boa.

A MÃE – Não duvido. Mas sinto não saber como era a mãe dela.

O NOIVO – Quem se importa?

A MÃE – É verdade! Você está certo! Quando quer que eu peça a mão da moça?

O NOIVO – (alegre) Que tal no domingo?

A MÃE – (séria) Eu vou levar os brincos de bronze, são antigos, e você compra...

O NOIVO – Você entende mais...

A MÃE – Compre para ela umas meias rendadas, e para vocês dois ternos... Três! Eu só tenho você!

O NOIVO – Já vou indo. Amanhã irei vê-la.

A MÃE – Vá, vá sim, e veja se me alegra a casa com meia dúzia de netos, ou quantos filhos você quiser, já que seu pai não teve tempo fazê-los em mim.

O NOIVO – O primeiro será para senhora.

A MÃE – Sim, mas você tenha meninas também. Pois quero bordar e fazer renda sossegada.

O NOIVO – Tenho certeza que, a senhora, gostara da minha noiva.

A MÃE – Gostarei. (vai beijá-lo, mas pára) Vá, já está grande demais para beijos. Beije a sua mulher. (Pausa. A parte.) Quando ela for sua.

O NOIVO – Estou indo.

A MÃE – Lavre bem, lá perto do moinho, pois está muito descuidado.

O NOIVO – Pode deixar.

A MÃE – Vá com Deus. (Sai o noivo. A mãe senta de costas para a porta. Aparece na porta a vizinha vestida de luto, com um lenço na cabeça.) Entre.

A VIZINHA – Como vai?

A MÃE – Indo.

A VIZINHA – Fui até a loja e vim vê-la. Vivemos tão longe!

A MÃE – Há vinte anos que não subo ao final da rua.

A VIZINHA – Você está bem.

A MÃE – Você acha?

A VIZINHA – As coisas acontecem. Há dois dias trouxeram o filho da minha vizinha com os dois braços cortados por uma máquina. (ela se senta.)

A MÃE – O Rafael?

A VIZINHA – Sim. E aí está. Muitas vezes penso que o seu filho e o meu estão melhores onde eles estão, dormindo, descansando, sem correr um risco inútil.

A MÃE – Cale-se. Isto são invenções, mas não consolo.

A VIZINHA – Oh!

A MÃE – Oh! (pausa)

A VIZINHA – (triste) E seu filho?

A MÃE – Saiu.

A VIZINHA – Finalmente comprou a vinha!

A MÃE – Teve sorte.

A VIZINHA – Agora ele se casa.

A MÃE – (como se acorda-se. Leva a cadeira para perto da vizinha) Olha.

A VIZINHA – (confidencial) Diga.

A MÃE – Você conhece a noiva do meu filho?

A VIZINHA – Boa moça!

A MÃE – Sim, mas...

A VIZINHA – Ninguém conhece bem, vive lá sozinha com o pai. Mora tão longe, a dez léguas da casa mais próxima. Mas é boa, acostumada a solidão.

A MÃE – E a mãe dela?

A VIZINHA – Essa eu conheci. Formosa. Tinha uma cara que brilhava como a de um Santo, mas nunca me agradou nenhum um pouco. Não gostava do marido.

A MÃE – Mas que gente para saber das coisas.

A VIZINHA – Perdão. Não queria ofender. Mas é verdade. Agora, se ela foi honesta ou não, ninguém sabe. Nunca se falou nisso. Ela era orgulhosa.

A MÃE – Sempre a mesma coisa.

A VIZINHA – Você que me perguntou.

A MÃE – É que eu queria que ninguém conhecesse as duas. Nem a viva, nem a morta. Que fossem como dois cactos que ninguém sabe que existem.

A VIZINHA – Tem razão. Seu filho vale muito.

A MÃE – Vale. É por isso que eu tomo cuidado. Contaram-me que a moça teve um noivo há tempos atrás.

A VIZINHA – Quando tinha uns quinze anos. Ele já se casou faz uns dois anos com a prima dela. Ninguém lembra mais do noivado.

A MÃE – E como é que você se lembra?

A VIZINHA – Você me faz cada pergunta.

A MÃE – Cada um deveria se interessar por suas próprias dores. Quem foi o noivo?

A VIZINHA – Leonardo.

A MÃE – Que Leonardo?

A VIZINHA – O Leonardo dos Félix.

A MÃE – (levanta-se) Dos Félix?

A VIZINHA – Mulher, mas que culpa tem Leonardo? De quê? Ele tinha oito anos quando tudo aconteceu.

A MÃE – É verdade. Mas é só falar nos Félix (entre dentes) que é como se me enchessem a boca de lama (cospe) e tenho que cuspir. Tenho que cuspir para não matar.

A VIZINHA – Calma. Que ganha com isso?

A MÃE – Nada. Mas você me compreende.

A VIZINHA – Não vá contra a felicidade do seu filho. Não diga nada a ele. Você está velha. Eu também. A nós nos resta ficar caladas.

A MÃE – Eu não direi nada.

A VIZINHA – (beijando-a) Nada.

A MÃE – (serena) Coisas...!

A VIZINHA – Vou indo. Que daqui a pouco a minha gente chega do campo.

A MÃE – Você já viu dia mais quente que esse?

A VIZINHA – Os meninos que levam água para plantações pareciam pretinhos. Adeus, mulher.

A MÃE – Adeus.

(Vai para a porta do lado esquerdo. Pára no meio do caminho e sai lentamente)

Cortina.
PRIMEIRO ATO
SEGUNDO QUADRO
Sala rosa com vasos de bronze com rosas e flores do campo. No centro, uma toalha de mesa. Manhã. A sogra de Leonardo com uma criança nos braços. Balança-o. No outro canto da mesa a mulher tricota uma meia.

A SOGRA – Dorme, menino do cavalo grande que não quis água. A água era negra por entre as ramas. Quando chega a ponte pára e canta. Quem vai dizer, meu filho, o que tem na água, balançando a cauda, a verde saia?

A MULHER – (baixo) Dorme, meu cravo, cavalo não quer beber.

A SOGRA – Dorme, meu rosal, cavalo começa a chorar. As patas feridas, a crina gelada, e dentro dos olhos um punhal de prata. Banharam o punhal no rio. Ai, como banharam! Oh, o sangue escorreu mais rápido que a àgua.

A MULHER – Dorme, meu cravo, que o cavalo àgua não vai beber.

A SOGRA – Dorme, meu rosal, que o cavalo começa a chorar.

A MULHER – Não pode tocar na margem molhada, seu focinho quente com moscas de prata. Aos montes sozinho relincha, com o rio morto na sua garganta. Oh, cavalo grande que não quis a água! Ai, dor da neve, cavalo do amanhecer!

A SOGRA – Não venha! Pare, feche a janela com ramos de sonhos e sonhos de ramos.

A MULHER – Meu filho está dormindo.

A SOGRA – Meu filho está em silêncio.

A MULHER – Cavalo, meu filho tem um travesseiro.

A SOGRA – Seu berço é de aço.

A MULHER – Sua colcha de retalhos.

A SOGRA – Dorme, meu filho, dorme.

A MULHER – Oh, cavalo grande que não quer água!

A SOGRA – Não venha, não entre! Vá para montanha. Pelos vales cinzentos onde o pônei está!

A MULHER – (olhando) Meu filho já dorme.

A SOGRA – Meu filho descansa.

A MULHER – (baixo) Durma, meu cravo, o cavalo não vai beber água. (levantando-se calmamente) Dorme, meu rosal, que o cavalo começa a chorar.

(Deitam o filho. Entra Leonardo)

LEONARDO – E o menino?

A MULHER – Dormiu.

LEONARDO – Ontem não estava bem. Chorou a noite toda.

A MULHER – (alegre) Hoje estava como uma dália. E você? Foi à casa de ferreiro?

LEONARDO – Eu venho de lá. Você não acredita? Há mais de dois meses que venho colocando ferraduras novas no cavalo, mas vivem caindo. Pelo jeito, elas são arrancadas pelas pedras.

A MULHER – Não será você que abusa?

LEONARDO – Não. Quase não saio com ele.

A MULHER – Ontem as vizinhas me disseram que você estava na divisa dos campos.

LEONARDO – Quem disse isso?

A MULHER – As mulheres que colhem alcaparras. Isso me surpreendeu, é claro. Era você?

LEONARDO – Não. O que eu faria lá naquele deserto?

A MULHER – Foi o que eu disse. Mas o cavalo estava se desfazendo em suor.

LEONARDO – Você foi lá ver?

A MULHER – Não. Minha mãe.

LEONARDO – Está com o menino?

A MULHER – Sim. Quer uma limonada?

LEONARDO – Com a água bem fresca.

A MULHER – E você nem veio comer...!

LEONARDO – Eu estava com os compradores de trigo. Enrolados como sempre.

A MULHER – (fazendo o suco e muito terna) E eles pagam um bom preço?

LEONARDO – O justo.

A MULHER – (abraça-o) Eu preciso de um vestido e o menino de um gorro com laços.

LEONARDO – (se levantando) Vou ver o menino.

A MULHER – Cuidado, que ele está dormindo.

A SOGRA – (entrando) Mas quem anda correndo desse jeito com o cavalo? Ele está lá baixo, exausto, de olhos esbugalhados, como se chegasse do fim do mundo.

LEONARDO – (seco) Eu.

A SOGRA – Desculpe-me, é seu mesmo.

A MULHER – (inibida) Estava com os compradores de trigo.

A SOGRA – Para mim tanto faz que se arrebente. (ela se senta)

(Pausa)

A MULHER – A limonada? Está fresca?

LEONARDO – Sim.

A MULHER – Sabe que vão pedir minha prima?

LEONARDO – Quando?

A MULHER – Amanhã. As bodas serão daqui há um mês. Espero que nos convidem.

LEONARDO – (sério) Eu não sei.

A SOGRA – Acho que a mãe dele não está muito feliz com o casamento.

LEONARDO – E talvez ela esteja certa. Ela é danada.

A MULHER – Eu não gosto que você fale mal de uma moça direita.

A SOGRA – Mas se ele diz isso é porque sabe. Ou você esqueceu que ela foi sua noiva por três anos? (com maldade)

LEONARDO – Mas laguei dela. (Para a esposa.) Vai chorar agora? Chega! (aperta seu rosto bruscamente) Vamos ver o menino. (saem abraçados)

(Entra correndo uma menina feliz)

A MENINA – Senhora.

A SOGRA – O quê?

A MENINA – O noivo está lá na loja e comprando tudo que tem de melhor.

A SOGRA – Veio sozinho?

A MENINA – Não, com mãe dele. Séria, alta. (imita) Um luxo!

A SOGRA – Eles têm dinheiro.

A MENINA – Eles compraram umas meias rendadas...! Ah, que meias! O sonho de todas as mulheres! Olha: (puxa o vestido e mostra o tornozelo) aqui uma andorinha aqui, aqui um barco (mostra para a panturrilha) e aqui uma rosa. (mostra a coxa)

A SOGRA – Menina!

A MENINA – Uma rosa com pétalas e espinhos! Ai! Tudo de seda!

A SOGRA – Juntarão dois bons capitais.

(Entram Leonardo e sua mulher)

A MENINA – Eu vim contar o que o noivo estava comprando.

LEONARDO – (forte) Não nos interessa.

A MULHER – Deixa.

A SOGRA – Leonardo, não é para tanto.

A MENINA – Com licença. (sai chorando)

A SOGRA – Que necessidade você tem de gritar com as pessoas?

LEONARDO – Eu não pedi a sua opinião. (senta)

A SOGRA – Está bem.

(pausa)
A MULHER – (para Leonardo) O que está acontecendo? O que anda te remoendo? Não me deixe assim, sem saber de nada...

LEONARDO – Chega.

A MULHER – Não. Eu quero que olhe para mim e me diga o que é.

LEONARDO – Me deixa. (levanta-se)

A MULHER – Onde vai?

LEONARDO – (agressivo) Quer calar a boca?

A SOGRA – (enérgica, para filha) Basta!

(Leonardo sai)

A SOGRA – O menino! (sai e volta com o menino em seus braços)

(A mulher fica em pé imóvel)

A SOGRA – As patas feridas, a crina gelada, nos olhos um punhal de prata. Descendo o rio. O sangue correu mais rápido do que água.

A MULHER – (Vira-se lentamente, sonhadora) Dorme, meu cravo, que o cavalo se põe a beber.

A SOGRA – Dorme, meu rosal, que o cavalo começa a chorar.

A MULHER – Dorme, meu filho, dorme.

A SOGRA – Oh, cavalo grande, que não quer água!

A MULHER – (dramática) Não venha, não entre! Vá para a montanha! Oh, dor fria, cavalo do amanhecer!

A SOGRA – (chorando) Meu filho está dormindo...

A MULHER – (chorando e se aproximando devagar) Meu filho está descansando...

A SOGRA – Dorme, meu cravo, o cavalo não quis beber água.

A MULHER – (chorando e inclinando-se sobre a mesa) Dorme, meu rosal, que o cavalo começa a chorar.

Cortina

PRIMEIRO ATO
TERCEIRO QUADRO
Interior da casa da noiva. Ao fundo, uma cruz de grandes flores cor de rosa. As portas enfeitadas com cortinas de laços rosa. Pelas paredes, de material branco e duro, leques arredondados, vazos azuis e pequenos espelhos.

A CRIADA – Entrem... (simpática e cheia de humildade hipócrita)

(Entra o noivo e sua mãe. A mãe vestida de cetim preto e um xale de renda. O noivo, de terno de veludo preto e corrente de ouro)

A CRIADA – Querem se sentar? Ele já vem. (sai)

(Mãe e filho permanecem sentados, imóveis como estátuas. Longa pausa.)

A MÃE – Você trouxe seu relógio?

O NOIVO – Sim. (pega o relógio e olha-o)

A MÃE – É preciso voltar logo. Como vive longe essa gente!

O NOIVO – Mas essas terras são boas.

A MÃE – Boas, mas solitárias. Quatro horas de distância e nenhuma casa ou árvore.

O NOIVO – A região é seca.

A MÃE – Seu pai a teria coberto de árvores.

O NOIVO – Sem água?

A MÃE – Ele a teria buscado. Os três anos que ele esteve casado comigo, plantou dez cerejeiras. (lembrando) Três árvores na fábrica, toda uma vinha e uma planta chamada Júpiter, que dá flores vermelhas, que secou. (pausa)

O NOIVO – (sobre a noiva) Ela deve estar se vestindo.

(Entra o pai da noiva. É idoso, com os cabelos brancos relusentes. Faz um cumprimento com a cabeça. A mãe e o noivo levantam-se e apertam as mãos do pai em silêncio)

O PAI – Foi longa a viagem?

A MÃE – Quatro horas.

(Eles se sentam)

O PAI – Devem ter vindo pelo caminho mais longo.

A MÃE – Eu já estou velha demais para andar pelas margens do rio.

O NOIVO – Ela enjoa. (Pausa)

O PAI – Boa colheita de milho.

O NOIVO – Muito boa.

O PAI – No meu tempo, nem milho dava nesta terra. Era preciso castigá-la até chorar, para nos dar algo de útil.

A MÃE – Mas agora dá. Não se queixe. Eu não venho pedir nada.

O PAI – (sorrindo) Você é mais rica que eu. As vinhas geram um bom capital. Cada rama uma moeda de prata. O que eu sinto é que as terras... Entende?... São separadas. Eu gosto de toda família junto. Eu tenho um espinho cravado no coração, há um pequeno terreno enfiado entre as nossas terras, e não querem vender nem por todo o ouro do mundo.

O NOIVO – Isso sempre acontece.

O PAI – Se pudéssemos, com vinte pares de bois, trazer a sua vinha e colocá-la aqui na encosta. Seria uma alegria! ...

A MÃE – Por quê?

O PAI – O que é meu é dela e tudo que é seu é dele. Por isso. Para ver todo mundo junto, porque assim são as famílias, todos juntos!

O NOIVO – E seria menos trabalho.

A MÃE – Quando eu morrer, você vende as nossas terras e compra outras aqui ao lado.

O PAI – Vender, vender! Bah! Comprar, minha filha, comprar tudo. Se eu tivesse filhos já teria comprado toda a montanha até perto do rio. Porque não há terra boa, mas com braços fazemos com que fique boa, e como não passa gente para roubar as frutas, dormiríamos em paz. (pausa)

A MÃE – Você sabe o que vim fazer aqui.

O PAI – Sim.

A MÃE – E então?

O PAI – Por mim tudo bem. Eles têm se falado.

A MÃE – Meu filho tem e pode.

O PAI – Minha filha também.

A MÃE – Meu filho é bonito. Mulher nenhuma conheceu. Sua honra é mais limpa do que um lençol corando ao sol.

O PAI – O mesmo digo de minha filha. Não se relaciona com ninguém, vive sozinha como a estrela da manhã. Nunca fala, com a lã é capaz de bordar todos os tipos de bordados e pode cortar uma corda com os dentes.

A MÃE – Que Deus abençoe a sua casa.

(A empregada aparece com duas bandejas. Um com copos e outra com doces.)

A MÃE – (ao filho) Quando será o casamento?

O NOIVO – Na próxima quinta-feira.

O PAI – O dia em que ela completará vinte anos.

A MÃE – Vinte anos! A idade que meu filho mais velho teria se estivesse vivo. Era como um touro. Ah, se os homens não tivessem inventado as navalhas.

O PAI – Não pense nisso.

A MÃE – A cada minuto. Sinto um aperto em meu peito.

O PAI – Então, na quinta-feira. Não é mesmo?

O NOIVO – Sim.

O PAI – Nós e os noivos iremos de carroça até a igreja, pois fica longe, e atrás de nós todo o cortejo em carroças e cavalos.

A MÃE – Concordo.

(Entra a empregada)

O PAI – Diga a ela que já pode entrar. (para mãe) Espero que a aprecie.

(Entra a noiva com modéstia e de cabeça baixa)

A MÃE – Aproxime-se. Você está feliz?

A NOIVA – Sim, minha senhora.

O PAI – Não fale assim. No final do dia, ela será sua mãe.

A NOIVA – Estou feliz. Eu disse sim porque quis.

A MÃE – Claro que sim. (pega o queixo da noiva) Olhe para mim.

O PAI – Se parece em tudo com minha falecida esposa.

A MÃE – Sim? Que belo olhar! Você sabe o que é o casamento, menina?

A NOIVA – (séria) Sim, eu sei.

A MÃE – Um homem, alguns filhos e um muro de dois metros de altura para todo o resto.

O NOIVO – Falta alguma coisa?

A MÃE – Não. Viva para todos! Viva!

A NOIVA – Cumprirei a minha parte.

A MÃE – Aqui estão alguns presentes.

A NOIVA – Obrigada.

O PAI – Não aceitam nada?

A MÃE – Eu não quero. (para o noivo) E você?

O NOIVO – Aceito.

(Pega um doce. A noiva pega outro.)

O PAI – (para Noivo) Vinho?

A MÃE – Não o provoque.

O PAI – O melhor!

(Pausa. Todos em pé)

O NOIVO – (para a noiva) Venho amanhã.

A NOIVA – Que horas?

O NOIVO – Cinco.

A NOIVA – Te espero.

O NOIVO – Quando não estou ao seu lado, sinto sua falta e um nó na garganta.

A NOIVA – Quando for meu marido não o sentirá.

O NOIVO – É isso que espero.

A MÃE – Vamos. O sol não espera. (para pai) Estamos combinados?

O PAI – De acordo.

A MÃE – (para criada) Adeus, mulher.

A CRIADA – Vão com Deus.

(A mãe beija a noiva e sai em silêncio)

A MÃE – (na porta) Adeus, minha filha.

(A noiva acena)

O PAI – Eu os acompanho. (saem)

A CRIADA – Abra os presentes.

A NOIVA – (agressiva) Saia.

A CRIADA – Ah, menina, deixe-me vê-los!

A NOIVA – Não quero.

A CRIADA – Pelo menos as meias.

A NOIVA – Não!

A CRIADA – Meu Deus. Tudo bem. É como se você quisesse se casar.

A NOIVA – (mordendo a mão com raiva) Oh!

A CRIADA – Menina, filha, o que está acontecendo? Sente deixar sua vida de rainha? Não pense nessas coisas tristes. Tem algum motivo? Nenhum. Vamos ver os presentes. (Pega a caixa)

A NOIVA – (pega-a pelos pulsos) Solta.

A CRIADA – Ah, mulher!

A NOIVA – Solta, já disse.

A CRIADA – Você tem mais força que um homem.

A NOIVA – Eu não trabalho como um homem? Eu gostaria de ser um!

A CRIADA – Não fale assim!

A NOIVA – Cala a boca já disse. Vamos mudar de assunto.

(A luz vai caindo. Longa pausa)

A CRIADA – Você ouviu a noite passada um cavalo?

A NOIVA – Que horas?

A CRIADA – As três.

A NOIVA – Deve ser um cavalo que se perdeu da manada.

A CRIADA – Não. Tinha um cavaleiro.

A NOIVA – Como você sabe disso?

A CRIADA – Porque eu vi. Ele estava parado na sua janela. Achei estranho.

A NOIVA – Não seria o meu noivo? Às vezes ele aparece nesse horário.

A CRIADA – Não.

A NOIVA – Você o viu?

A CRIADA – Sim.

A NOIVA – Quem era?

A CRIADA – Leonardo.

A NOIVA – (forte) Mentira! Mentira! Por que viria aqui?

A CRIADA – Veio.

A NOIVA – Cale-se! Maldita seja sua língua!

(Ouve-se o som de um cavalo)

A CRIADA – (na janela) Venha ver. Era ele?

A NOIVA – Era!


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quinta-feira, 3 de março de 2011