3 ATOS - Escola de Artes Cênicas

3 ATOS - Escola de Artes Cênicas Rua Aquidaban, 234-b, Centro Fone: (16) 3411 1408 ou 34 16 1997

domingo, 25 de janeiro de 2009

Texto da peça "PARA VIVER UM GRANDE AMOR..." de Alexandre Rodrigues, montada pelo Núcleo Arame D'Arte de Estudos Teatrais





Caso queira montar essa peça, entrar em contato com o Núcleo Arame D'Arte de Estudos Teatrais através do e-mail: aramedarte@gmail.com


PARA VIVER UM GRANDE AMOR
De Alexandre Rodrigues

PERSONAGENS:

ANA CLARA
CECÍLIA
BEATRIZ
LÍGIA
HELENA

Elenco da primeira montagem:

Candi Oliveira
Fernanda Campos
Janaína Bianchi
Karen Caíres
Mauren Micalli
Rossana de Marchi
Talita Triques


CENA 1
(Ana Clara começa a cena no saguão do teatro.)

ANA CLARA – Amor... Doce miragem dos sonhadores... Sonhadores como eu... Que amam o amor... O toque acentuado... O aspirar perfumado do amor... Sonhadora eu sou em busca de Romeu... Meu Romeu... Filho dos Deuses! Em mim o despertar... Claro como luz, desabrochando como flor... Entrego-me... Meu Romeu... Doce amor como mar... De amar... E me entrego deixando que as ondas me levem com beijos... Beijos loucos de amor! Eu te amo meu Romeu... Sonhadora... Sonhadora eu sou! (começa a ficar angustiada) E a brisa leve, fria... Te afasta... Te leva... E de repente me vejo entre milhares de “Julietas”... (desesperada) E você não me vê! Você não consegue me ver! (rodando) Perdida entre névoas... (vai até o rádio e coloca uma música. Chora.) Onde estarás Romeu que não me olhas...? (Pausa. Observa o público.) Não me olhem... Por favor, não me olhem... Pois estou nua... Sim nua... Despida da miragem que é o amor... Acham-me louca, senhores? Ou será tão difícil perceber que estou nua sem Romeu... Vazia, sem o perfume que o envolve... Sem a voz que invade meus ouvidos quando seus lábios tão próximos sussurram palavras de amor... Mentira! Mentira sim! O amor é uma mentira! Romeu me deixou... Mentiroso amor! Louco amor desesperado, sem luz... Romeu me deixou... E eu também já não quero, já não posso, já não devo ficar... (corta os pulsos e corre em direção a sala de teatro)

CENA 2
(Cecília está no palco sentada sobre uma cama. Fala enquanto o público entra.)

CECÍLIA – Ouçam! Ouçam todos! Meu... (engole) Meu filho está morto! Meu filho morreu, morreu... (chora) Morreu pequeno, tão pequeno, embalado por um canto tão doce... Mas o cheiro é de palmas, cravos... Estas flores da morte... (agitada) Não me tirem deste quarto... Não me tirem, por favor! Meu filho está aqui... Tão pequeno e já com uma lâmina nas mãos... Maldito aquele que criou as lâminas afiadas e as armas... Maldito aquele que matou meu filho! Saibam que lambi o chão onde o sangue do meu filho, meu filhinho, foi derramado... Era meu sangue ali no chão... Não entendem? (nervosa) Incapazes! Somente uma mãe sabe o que é um filho... Filho... Filho meu... “Pedaço de mim... Metade afastada de mim...” O amor de mãe não se compara a um amor qualquer... O amor de mãe não espera nada... Nada! Se é que me entendem... O amor de mãe é quase platônico... Platônica paixão... (pausa) Pressuponho que os assusto com tantas palavras... Muito bem... Meu nome é Aurora... Amélia... Tereza... Meu nome é Mulher! (agindo com naturalidade) Tenho um filho sim, mas está vivo... E se morresse, talvez eu também morresse... Tudo que foi dito deve ser esquecido... Aqui no meu quarto invento, sonho, desejo o que não possuo... Tenho um marido que me ama... Mas o amor desconheço... A não ser esse amor de mãe... Quando fico sozinha é que percebo como é vazia minha vida... Uma mulher que desconhece o amor, o amor verdadeiro! De que me vale o amor de alguém que não amo? Meu despertar somente existe por meu filho... Desculpem-me, mas como eu gostaria de sentir meu corpo ardendo em febre, 40 graus ou mais, queimando em febre e as mãos suando de desejo, de paixão... É triste acordar e saber-se amada, mas nunca saber amar... (apaga a vela ao seu lado, deita-se e chora)

CENA 3
(Acende foco em Lígia que lê uma carta)

LÍGIA – (mostrando a carta) Cartas de amor... Tristes cartas e poemas de amor... Tristes poetas que acreditavam e morriam de amor... Tristes ilusões causadas pelo amor... E triste de mim que já acreditou e esperou um grande amor... Mas passa o tempo e a alma cala... E já não creio mais em cartas de amor... Quantas vezes as escrevi... Sem ninguém para recebê-las... Sinto pena dos que esperam um grande amor! Sinto pena de mim que não o espero... Caminho sozinha nas ruas e minhas mágoas fazem parte do passado... (exagera nos gestos) Sou uma atriz e aqui já vivi tantos amores no palco, mas, infelizmente, aqui também percebi que amores existem somente na ficção... Histórias de amor... Cartas de amor... Poesias, poesias de amor... Já não tenho mais idade para fantasias amorosas... Tenho trinta e poucos anos e isso é o suficiente para perceber que o amor não existe... Não esperem um grande amor na vida... Príncipes em cavalos brancos nunca virão! (amassa a carta e joga fora)

CENA 4
(Abrem-se as cortinas. Lígia está sentada sobre um divã fumando calmamente um cigarro numa imensa cigarreira. Começa a chover. Ana Clara, Cecília e Lígia entram com guardas chuvas e sentam-se. Silêncio. Ana Clara começa a chorar.)

ANA CLARA – Romeu... Meu Romeu! “Me ama como a chama ama o silêncio...”

HELENA – Acalme-se!

ANA CLARA – Romeu era azul... Ficou branco... E sumiu... Como luz que se apaga...

CECÍLIA – Quem é Romeu...?

LÍGIA – Deve ser mais uma louca...

HELENA – Você vai ficar bem!

ANA CLARA – Romeu me trocou por outra Julieta...

LÍGIA – Por favor, silêncio.

CECÍLIA – Não! Deixem, deixem ela falar... Ela ama! Deixem-me ouvir... Porque vocês não sabem, mas como... Como eu gostaria de amar!

HELENA – Vocês não entendem? Ela não está bem. Ontem mesmo tentou morrer!

ANA CLARA – Romeu... Meu Romeu... Morto Romeu... Veneno nas veias... Suor sangrando e depois a febre...

LÍGIA – Ela matou esse tal de Romeu?!? É uma louca assassina...

HELENA – Ela não matou ninguém... Romeu é seu namorado, ou melhor foi... Era um marinheiro que veio... A amou... E se foi, deixou-a assim... Ela esperou... Não comia, pouco falava... E um dia a encontramos... Notem a faixa nos pulsos...

CECÍLIA – Cortou?

HELENA – Sim...

LÍGIA – Eu tinha razão, é mesmo uma louca... Cortar os pulsos por um homem... Louca, completamente louca!

HELENA – E desde então só fala em Romeu... Julieta... E outros absurdos...

CECÍLIA – Que lindo!

LÍGIA – Lindo? Vejo que estão no lugar no certo, ou melhor, um psicólogo não resolverá... Vocês deveriam ir a um psiquiatra!

CECÍLIA – Lindo é o amor... A invejo Julieta!

HELENA – Não! Seu nome é Clara... Ana Clara...

CECÍLIA – Que seja Ana ou Clara... Mas mais lindo é Julieta... Julieta que ama Romeu... Ama! Tão doce deve ser pra ti que podes morrer inebriada de amor... Triste pra mim, Julieta, que nem sei o que é esse tal de amor...

ANA CLARA – Romeu no seu navio a navegar... Romeu no mar do meu amor... Romeu, onda rolando sob meus pés... Romeu “um doce nome, lembra um pedaço de ilha surgindo na madrugada...”

LÍGIA – Assim não vai dar!

HELENA – As palavras vêm como se tivesse um livro de “Vinícius” no coração...

LÍGIA – Como disse? Vinícius de Moraes? Um mentiroso! Como todos os outros poetas que escrevem coisas de amor... Se o amor fosse como filmes e novelas... Ou como contos de fadas... Essa Julieta não estaria assim louca... Doente!

HELENA – Não fale assim! É tudo questão de tempo... Sabe? Primeiro amor...

LÍGIA – Não, não sei!

CECÍLIA – Ela chora... Mas é possível enxergar dentro dos seus olhos o calor da paixão... Digo: Romeu! E vejo sua pele arrepiar-se, sua boca fica úmida... É fica fácil ouvir o seu coração pulsando, pulsando... Tens uma foto de Romeu?

ANA CLARA – “Todas as suas iras são de amor, todos estes seus males são um bem, que eu por todo outro bem não trocaria...” (mostra uma carta)

CECÍLIA – Uma carta?

HELENA – Sim, a carta em que o canalha...

ANA CLARA – (assustada) Romeu! (grita) Romeu matava Julieta... Julieta sumia... Morria... Afogada!

HELENA – Uma carta de Romeu!

(Cecília abre a carta)

LÍGIA – Além de sumir ainda deixou uma carta... (rindo) Esse provavelmente não era Romeu, mas sim Don Juan!

CECÍLIA – “Ficarei distante de ti... Mas de mim sempre serás... Não parto por falta de amor a ti... E fico com o coração aos pedaços sabendo que poderás chorar... Mas não chore meu amor... Voltarei... Sabes que voltarei...”

HELENA – Era realmente um canalha!

ANA CLARA – (agitada) Esse cheiro impregnado na minha pele... Esse gosto na minha boca... (grita) Romeu!

HELENA – Já passou mais de um ano... No começo ela acreditava que ele fosse realmente voltar... Ficou bem por algum tempo, mas os dias foram passando... E Então seu coração não agüentou... É muito triste saber da tristeza dos outros!

LÍGIA – Dos outros? Por acaso você é feliz...?

HELENA – Por quê?

LÍGIA – Curiosidade... Desconheço que aqui na Terra haja pessoas felizes.

HELENA – Eu é que pergunto... Por que tanta amargura?

LÍGIA – (ri) Amargura...? Você não sabe de nada... Fica falando da vida desta aí... Parece sabe o quê? Que esconde a sua própria tristeza na dos outros...

HELENA – Pois não sou triste! Nem preciso esconder o que sinto... Sou uma pessoa feliz, sim... Não tenho motivos pra sofrer!

LÍGIA – E motivos para sorrir?

HELENA – Tenho um marido que me ama...

LÍGIA – (irônica) Ama?

HELENA – Tenho família, amigos... Paz!

LÍGIA – Medíocre!

HELENA – Às vezes, o que me faz infeliz é saber que existem pessoas assim como você... Duras, sofridas e o pior... Sem sonhos, sem planos, sem amor!

LÍGIA – Claro, Cinderela... Agora me diga: onde é mesmo o castelo onde moras?

CECÍLIA – E você? Você também o ama?

HELENA – Muito!

CECÍLIA – Paixão?

HELENA – Loucura...

CECÍLIA – Mesmo? É a primeira pessoa que conheço que diz amar e ser amada, e feliz!

LÍGIA – É impossível! “O amor, é uma mentira que a sua vaidade quer...” Tudo isso é impossível! E o ciúme? A insegurança? As contas pra pagar? E a toalha molhada sobre a cama? E o mau hálito... E tudo mais que vem junto com um casamento?

HELENA – Não é o casamento... É a verdade, a verdade sobre o amor! Tudo o que você disse é invisível aos olhos do amor...

CECÍLIA – Eu não amo meu marido! Nunca amei homem algum... Somente meu filho...

HELENA – Mas então por que se casou?

CECÍLIA – Estava grávida... Mas tudo bem... Meu filho só veio acrescentar na minha vida... Não me arrependo do filho... Me arrependo do marido...

HELENA – Por que não o deixa?

CECÍLIA – Ele me ama...

LÍGIA – (rindo) Mas uma das histórias de amor...

CECÍLIA – Sinto pena... Pena dele por me amar, pena de mim por não saber amar!

(Beatriz entra e senta-se. Longo silêncio.)

ANA CLARA – ”Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim, porque o amor não se troca nem se conjuga nem se ama...” Navega solto Romeu em seu navio... E perde-se o horizonte...

LÍGIA – Chega, chega! Chega desta conversa ridícula!

HELENA – “Ridículo é quem nunca amou...”

(Cecília abaixa-se junto a Ana Clara)

LÍGIA – Ridículas são suas palavras, suas referências patéticas a poetas e poesias... Basta de suspiros, basta de palavras irracionais... Deixe que o silêncio nos invada, como pausas... Sim, como pausas entre as canções... Não falem, por favor, não digam mais nada! Mais nada, por favor!

(silêncio)

ANA CLARA – (alto) ”Não é o grito a medida do abismo? Por isso eu grito sempre que cismo: Romeu... Romeu! Que grito inútil, que imenso nada...”

LÍGIA – (para Beatriz) E você? Por que veio?

BEATRIZ – Para ouvir...

LÍGIA – Ouvir o quê? Normalmente aqui viemos para falar!

BEATRIZ – Eu não tenho nada a dizer... Prefiro escutar!

LÍGIA – Pois que tal se hoje resolvesse falar... O assunto em que tanto se fala nessa sala, enquanto se espera, são memórias... Memórias sobre o amor... Vamos, diga algo sobre esse “amor” que todos buscam, mas desconhecem seus prazeres, suas dores...

BEATRIZ – Como disse venho em busca de palavras... Não venho para dizê-las... Diga você! Por que veio aqui?

CECÍLIA – Ótimo! Ótima pergunta! Fale você... O que veio fazer aqui, se não precisa de ajuda, se é tão racional? Diga-nos então suas razões...

HELENA – Ela, de nós, é a que mais sofre!

LÍGIA – Você disse que não sofria...

HELENA – Não! Disse que sentia pela tristeza das pessoas que eu amava!

LÍGIA – Venho porque não encontro razões para amar...

HELENA – O amor não é feito de razões...

LÍGIA – Como eu dizia, não acredito em amor... Se ele existe, porque ainda não apareceu para mim?

CECÍLIA – Nem para mim...

LÍGIA – Percebem... Não sou só eu aqui a infeliz... Todas aqui têm um pouco de infelicidade... Então, se o amor é somente dissabor... Eu realmente não sei por que se preocupam tanto com ele...

BEATRIZ – Você nunca acreditou ter amado alguém?

CECÍLIA – Eu também nunca amei ninguém...

LÍGIA – No entanto tem seu marido que diz amá-la...

CECÍLIA – Mas isso não me basta... Vocês não sabem o quanto é horrível sentir, saber que se está junto por piedade... Eu queria loucura... Um rio violento... Ondas... Um vendaval... E o que tenho é um bater suave de asas de borboletas...

BEATRIZ – O amor também pode ser calmo, sem terremotos... Pode-se amar devagar... Às vezes, não nos deixamos amar...

LÍGIA – Estou ficando velha, cada dia mais velha... Busquei tanto um amor, me entreguei tanto... Busquei atores que contracenavam comigo para amar, para me amar! Tentei fazer com que os beijos fossem quentes ardentes... Busquei nas ruas, nos bares, calçadas... Tentei ser o que não sou... E o maldito amor não veio, não chegou!

HELENA – Não se deve buscar o amor! Para amar é preciso ter calma... Esperar!

LÍGIA – Até estar feia e velha? Impossibilitada de ter filhos, família...

CECÍLIA – E eu tento amar meu marido, mas não consigo...

BEATRIZ – Você já tentou deixar-se amar?

CECÍLIA – Ele me ama tanto que me sufoca...

LÍGIA – Antes o sufoco á solidão!

ANA CLARA – “Que beijo teu de lágrima terei para esquecer o que vivi lembrando, e que farei da antiga mágoa quando não puder dizer por que chorei...”

LÍGIA – Já chorei demais... Então resolvi dar um basta... Para mim chega de amor!

BEATRIZ – E você está bem assim?

LÍGIA – Se estivesse não estaria aqui...

BEATRIZ – Fugir dos sonhos não a deixará em paz!

LÍGIA – Não fujo dos meus sonhos, apenas desiste de sonhá-los.

CECÍLIA – Eu não desiste, nem fugi... E mesmo assim não me sinto satisfeita...

BEATRIZ – O que sente pelo seu marido? O que acha dele?

CECÍLIA – Acho-o bom... É um bom homem... Bonito! Todos o acham muito bonito...

BEATRIZ – E você?

CECÍLIA – Às vezes tenho medo!

BEATRIZ – Do quê?

CECÍLIA – Não sei... Ele me ama... E no princípio acreditei que o amava... Ele foi o único homem que me entreguei... Depois de um tempo nossas vidas ficaram vazias... Eu queria conhecer outros homens... Sentir outros prazeres... Então vieram as brigas... Ele não sabe que eu não o amo! Às vezes tenho medo de perdê-lo... Mas sei que isso é só possessão... Eu queria amá-lo, mas não consigo...

HELENA – Que triste...

BEATRIZ – Você tem medo de deixá-lo? Medo de depois descobrir que ele é seu amor?

CECÍLIA – Não sei... Eu não sei! Às vezes fico confusa... Eu estou muito confusa!

BEATRIZ – Você já o olhou como homem...?

CECÍLIA – Às vezes sinto que nós estamos disputando um espaço... Eu queria um “Deus” que me amasse...

HELENA – Não espere a perfeição... Sua insatisfação vem do desejo de descobrir homens perfeitos... Mas somos simplesmente humanos!

BEATRIZ – Você se acha uma mulher bonita?

CECÍLIA – Sim...

BEATRIZ – Trabalha...

CECÍLIA – Não...

BEATRIZ – E o filho?

CECÍLIA – Meu filho é tudo para mim!

LÍGIA – E mesmo assim tudo é dor! É engraçado... Você tem muito mais do que eu... Do que ela... Mais do que a maioria das mulheres e ainda assim consegue ser infeliz.

BEATRIZ – Talvez você não seja infeliz!

CECÍLIA – Não completamente...

HELENA – Você imagina o amor... Mas sem permitir que seja verdadeiro! Os sentimentos, como o corpo, precisam de alimento...

BEATRIZ – (para Cecília) Simples... Você ama seu marido! Mas tem medo... Medo de saber que pode ser amada... É fácil sentir-se triste, a dificuldade está na felicidade... Vá para sua casa e o ame... Não tenha mais medo...

LÍGIA – Simples demais...

BEATRIZ – Mas não tem o que complicar...

CECÍLIA – Eu o amo? Não... Eu o amava... Não...

HELENA – Aceite... Você não queria tanto?

CECÍLIA – Mas... Eu não o amo... Eu amo... (silêncio) Julieta: “EU O AMO”! Eu sinto amor... Tenho vontade de gritar...

HELENA – Grite...

CECÍLIA – (gritando) Eu te amo! Meu amor eu te amo! (Sai correndo)

LÍGIA – Que loucura foi essa? Será que todos estão ficando loucos?

BEATRIZ – Loucura? O que você chama de loucura? Enxergar? Dar-se o direito de enxergar?

LÍGIA – Isso é uma mentira!

HELENA – Doce mentira... “Amor é estado de graça, amor é dado de graça... É semeado no vento...”

LÍGIA – Como a raiva, a mentira...

ANA CLARA – ”Amor é primo da morte e da morte vencedor, por mais que o matem, e matam, a cada instante de amar.”

LÍGIA – Nos dias de hoje é impossível viver o amor... Não creio no que dizem! Não acredito nessas palavras doces, nesse jeito calmo... Ouçam os carros lá fora, os tiros, a morte! Estão surdas? Ouçam o lamento... É impossível... Ouviram? Impossível!

BEATRIZ – Se acreditas...

LÍGIA – Não tenho que acreditar... Eu vejo! Meus olhos vêem!

ANA CLARA – “O vento soprava tão forte... E Romeu sumia, sumia como espumas no mar...”

LÍGIA – E esse...? Esse é o resultado do amor? Olhem para ela... Está louca, presa dentro deste resto de amor... Louca e infeliz!

BEATRIZ – Ana Clara?

ANA CLARA – Resto de amor... Não me resta Romeu?

BEATRIZ – Ana Clara?

ANA CLARA – Julieta...

BEATRIZ – Julieta?

ANA CLARA – Sim...

BEATRIZ – Onde está Romeu?

HELENA – O canalha!

ANA CLARA – (agitada) Romeu... Romeu! (Grita)

BEATRIZ – (para Helena) Por favor! (para Ana Clara) Onde está Romeu?

ANA CLARA – Romeu foi levado num navio gigante... E o navio subiu como que puxado pelas mãos de Deus... E se perdeu entre nuvens...

BEATRIZ – Você o amava?

ANA CLARA – Amo Romeu como a mim mesma...

BEATRIZ – Como a si mesma? Matarias seu Romeu?

ANA CLARA – Nunca...

BEATRIZ – Por que tentou se matar então? Se o ama como a ti, e a ele não matarias?

ANA CLARA – Tentei matar sua falta em mim...

BEATRIZ – Ana Clara?

ANA CLARA – Sim...

BEATRIZ – Matavas a ti ou a ele?

ANA CLARA – (chora) Romeu! Era Romeu que eu matava... Desgraçada de mim!

HELENA – Meu Deus...

BEATRIZ – Morrerias por alguém que não ama?

ANA CLARA – Mas eu o amo... O amo...

HELENA – Amas um canalha? Ele te deixou, mentiu pra ti... E ainda dizes que o ama? E nós que somos sua família? E a sua vida...? Será que você não percebe? Tudo foi uma mentira...! Ele te enganou! Mas acabou, ouviu? Acabou! Olhe para mim... Olhe para você... Como falas de amor por Romeu, se não amas a ti? Você nunca o amou!

ANA CLARA – É fácil para você que é feliz...

HELENA – Não, não é fácil para mim! Não é fácil para ninguém... Mas o amor só surge dentro de nós quando já aprendemos a nos respeitarmos... E matar-se não é respeito por você, nem pelas pessoas que te amam, nem por ninguém! É medo! Medo de recomeçar, medo de ter que fazer novos planos, medo de descobrir que aquilo não era amor!

ANA CLARA – (chora) Chega! Por favor, chega!

HELENA – Para mim também chega, Ana Clara! Eu estou cansada, cansada de tentar salvar pessoas como você, que não querem ajuda porque provavelmente não precisam... Você está livre, Julieta, para morrer... Livre para morrer!

ANA CLARA – (gritando) Chega...

HELENA – Toma, Julieta... Apanha o punhal... E acaba, acaba com seu sofrimento...

ANA CLARA – (pega o punhal) Eu não quero! Eu não queria morrer! Eu queria que alguém ouvisse meu apelo e me ajudasse, me salvasse daquela dor...

BEATRIZ – Mágoa...

ANA CLARA – Parecia que tudo tinha parado... Que as pessoas estavam paradas... E era sempre noite... O vento havia parado... E tudo ficaria parado até morrer... E quando as flores morressem não nasceriam outras... Então tudo seria somente cadáveres no chão... E um cheiro entrava pela minha boca... E de repente os cadáveres começaram a me olhar, me seguir... Homens mortos, flores mortas me seguiam... Então eu parei... De medo me calei... Sozinha no meu quarto... Incompreendida... Era assim que eu me sentia... Vozes invadiram meu quarto e diziam que Romeu morria... Morria...

BEATRIZ – Acabava a paixão...

ANA CLARA – Eu não queria que ele morresse... Eu só queria que as pessoas me entendessem! Quando cortei meus pulsos... Senti pessoas me olhando, me condenando... Diziam como antes: “Eu te avisei... Marinheiros vêm e vão...” E eu pensava: “Acabou, acabou tudo para mim...” Depois acordei... A dor... As pessoas ainda me condenavam, mas em seus olhos também havia pena, as pessoas tinham pena de mim... Fiquei tão envergonhada... Tive vergonha de ter sentido medo... De não ter sido capaz de vencer Romeu...

BEATRIZ – Romeu já não existe mais...

ANA CLARA – Romeu já não existe mais dentro de mim...

HELENA – Romeu já não existe mais dentro de ti...

ANA CLARA – Me perdoa...? Perdoa-me por ter sido fraca... (abraça Helena)

LÍGIA - E eu? E eu? Se é tão simples para elas... Deves ser simples para mim. Ou não? Fala! Diga alguma coisa! (Silêncio) Por que se calam para mim? Será que não mereço pena, piedade? (Longo silêncio. Chora.) ”Onde estão teus olhos? Onde estão? Milagre de amor que escorres dos meus olhos... Vem, eu quero teus olhos meu amor!” (pausa) Poesias de amor... Deixe-me Vinícius... Não quero poemas! Não quero! ”Em mim mãos se amargurando, olhos no céu olhando... Na minha boca o orvalho do teu nome!” Não! Deixem-me em paz poetas do horror! ”Como a onda correndo distante das praias, pousada no fundo estará à estrela, e mais além...” Não perco a razão... Não existe em mim lugar para o amor... Salvem-me! Salvem-me! Salvem-me do desejo de amar... (chora)

BEATRIZ – (aproxima-se de Lígia e a abraça) Está salva...

(Apagam-se as luzes)

CENA 5
(Ana Clara fala enquanto anda pela platéia em direção a saída da sala de teatro.)

ANA CLARA – ”De tudo ao meu amor serei atento, antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto/ que mesmo em face do maior encanto, dele se encante mais meu pensamento/ Quero vivê-lo em cada vão momento, e em seu louvor hei de espalhar meu canto/e rir meu riso e derramar meu pranto, ao seu pesar ou seu contentamento/ E assim, quando mais tarde me procure/Quem sabe a morte, angústia de quem vive/ Quem sabe a solidão, fim de quem ama/ Eu possa me dizer do amor(que tive): Que não seja imortal, posto que é chama/ Mas que seja infinito...” Para sempre infinito!


FIM















sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

RETRATOS DE SOLIDÃO - Peça montada pelo Núcleo Arame D'Arte de Estudos Teatrais

Caso queira montar essa peça, entrar em contato com o Núcleo Arame D'Arte de Estudos Teatrais através do e-mail: aramedarte@gmail.com

RETRATOS DE SOLIDÃO
De Alexandre Rodrigues

Personagens:

GISELE – Janaína Bianchi
AUGUSTO – Alexandre Rodrigues
ELEONORA – Candi Oliveira
NORA – Talita Triques
ANTÔNIO – Junior Roncon
TERESA – Mauren Micalli
MÃE – Fernanda Campos

CENA 1
(Na primeira cena vemos o final da peça. Augusto está ajoelhado diante de Gisele morta.)

AUGUSTO – (grita seu nome e chora) Gisele... Gisele... Meu pecado, minha alma... Meu pecado, minha alma... Meu pecado, minha alma... (a luz se apaga)

CENA 2
(Nora está em seu pequeno quarto, agarra-se a uma velha boneca de pano, balança, gira pelo quarto como se ouvisse música, finalmente para, coloca a boneca sentada num canto e ao lado põe outra boneca, representado seus pais.)

NORA – (fala sozinha) Mamãe, papai... Hoje a tarde estava tão vermelha... Eu parei, mamãe, e fiquei olhando o céu vermelho... Olhei para o sol até meus olhos se encherem de lágrimas... Pai, meus olhos ficam sempre cheios de lágrimas... (chora tristemente) Depois o sol sumiu, veio a noite e o silêncio... Me senti tão só, tão sozinha... Ainda bem que vocês chegaram (abraça as bonecas), achei que vocês não viessem me ver hoje... (ouve passos, fica com medo) Mãe, pai... Tenho tanto medo do escuro... De noite, às vezes, eu grito, mas parece que ninguém me ouve... (passos mais próximos) Pai estou com medo... (a porta do quarto se abre lentamente, ouve-se o seu ranger) Pai conta uma história bem bonita... (abraça seus próprios joelhos de medo e aperta-se contra a parede) Conta pai... (Entra Antônio, ela deita-se mecanicamente e chora, ele tampa sua boca e tenta beijá-la, ela morde a sua mão)

ANTÔNIO – Desgraçada... (bate em seu rosto, as luzes se apagam. Segundos depois se acendem novamente. Antônio se levanta fechando o zíper de sua calça e apertando seu sinto e sai, ela desce o vestido cobrindo os joelhos, agarra-se as bonecas, o seu choro cresce. Apagam-se as luzes.)

CENA 3
(Gisele está na praia. Augusto a vê e fica encantado com sua beleza.)

AUGUSTO – Com licença?

GISELE – (Ela está olhando para o mar) Azul...

AUGUSTO – Como?

GISELE – (Sem olhá-lo) Azul, azul...

AUGUSTO – Você está se sentindo bem?

GISELE – Azul...

AUGUSTO – Azul?

GISELE – Verde... Verde...

AUGUSTO – Não estou entendendo...

GISELE – Verde!

AUGUSTO – A água!?

GISELE – Amarelo... Amarelo... Amarelo...

AUGUSTO – O que é amarelo? A areia? O mar...?

GISELE – (Finalmente olha para Augusto) Branco... É branco...! O mar é branco! (Gisele o beija e foge. Augusto fica sem entender. As luzes se apagam)

CENA 4
(A família de Gisele está sentada à mesa aguardando o pretendente de Eleonora para o jantar.)

ELEONORA – Até que enfim eu vou me casar...

MÃE – Gisele nunca se casará...

ANTÔNIO – Teresa é fria... Fria...

TERESA – Mãe...

ELEONORA – Vou ficar livre... Livre de tudo...

MÃE – É a mais nova ... E a mais nova deve cuidar da minha velhice...

ANTÔNIO – Nunca terá filhos...

TERESA – Mãe...

ELEONORA – Livre... Livre...

ANTÔNIO – Teresa é fria... Fria... Fria...

MÃE – Todas na família podem parir...

TERESA – Mãe...

(Batem na porta)

MÃE – Entra...

AUGUSTO – (Vê Gisele, sorri, ela abaixa a cabeça) Eu sou Augusto...

MÃE – Senta...

AUGUSTO – Sobre o combinado...

MÃE – O que foi tratado não será desfeito...

AUGUSTO – (Olha para Gisele) Sobre a escolha...

MÃE – Não haverá escolha, já está decidido...

AUGUSTO – Mas...

MÃE – Sem mas... Levanta Eleonora... Está é a filha...

ANTÔNIO – (rindo) Teresa é fria... Nunca terá filhos...

TERESA – Mãe...

MÃE – (nervosa) Saiam... Você também Gisele...

AUGUSTO – Gisele ...

MÃE – Saia...

AUGUSTO – Gisele...

MÃE – Leva Eleonora... Leva Gisele daqui... (Eleonora arrasta Gisele para o quarto. Antônio e Teresa saem)

AUGUSTO – Gisele...

MÃE – O que pretende? Envergonhar sua família? Lembre-se do que foi combinado!

AUGUSTO – Mas eu não amo Eleonora...

MÃE – Amor... O que é amor? As bodas serão marcadas... Uma semana... Uma semana... (sai)

AUGUSTO – Gisele, meu destino... (Apagam-se as luzes)

CENA 5
(Sala de jantar. A família está sentada, Gisele entra)

MÃE – Senta...

GISELE – Não me casarei?

TERESA – É uma tradição... A mais nova...

ELEONORA – Nunca se casará...

MÃE – As mulheres já nascem casadas...

GISELE – E eu?

TERESA – Você... Nasceu para servir...

ELEONORA – Para cuidar de nossa mãe... Renegas a sua obrigação?

GISELE – Eu também tenho direito de amar e ser amada...

MÃE – Casamento não é amor...

ELEONORA – (olha para Teresa) É parir... É servir o marido antes de tudo...

MÃE – O amor vem depois...

ANTÔNIO – Quando vem... Porque casamento é juntar os bens... (olha para a mãe) Quando se tem... (olha para Teresa) É esperar que sua esposa lhe dê pelo menos um filho...

TERESA – Está bêbado...

MÃE – Bebes demais... Mas não trabalhas...

TERESA – É um vagabundo...

ANTÔNIO – Mas sou homem... Fique feliz, Gisele, por não se casar... O casamento é uma prisão...

MÃE – Chega de discussões... Eleonora casa... Gisele não...

GISELE – (levantando-se) Até que você morra, mamãe...

MÃE – O quê? Pensas em me matar?

ELEONORA – Estás louca?

TERESA – Completamente louca!

MÃE – Nem se eu morrer... Estarei aqui mesmo depois de morta... (Apagam-se as luzes)

CENA 6
(Quarto de Eleonora, ela está diante de um espelho vestida de noiva. Dia do seu casamento com Augusto.)

ELEONORA – Nora, como estou? É uma pena que não saia uma só palavra de sua boca, mas sei o que você diria neste momento... “Eleonora você é a mais bela de todas as noivas...” Obrigada, Nora! Agora saia, quero poder me despedir deste quarto, deste silêncio, destas janelas, fechadas desde a morte do meu pai... (Nora sai) Adeus silêncio... Adeus solidão... Até que enfim vou estar livre, livre de todos, livre de tudo... Nora, Nora... (Nora entra) Queime todos esses vestidos ... Não quero mais me cobrir de luto, a partir de hoje só vestirei branco...

GISELE – (entrando) Eleonora, está pronta? Seu noivo já chegou...

ELEONORA – Já vou descer...

GISELE – Eleonora? (pausa) Você o ama?

ELEONORA – (nervosa) Me deixe sozinha Gisele...

GISELE – Claro que não... Nem sabe o que é o amor...

ELEONORA – (gritando) Saia... (Gisele sai. Eleonora se olha no espelho com tristeza.)

CENA 7
(Fora da casa. Gisele e Augusto estão se tocando..)

AUGUSTO – Olhos...

GISELE – Boca...

AUGUSTO – Beijo...

GISELE – Beijo...

(Beijam-se ardentemente)

AUGUSTO – Eu te amo...

GISELE – Quando se está junto...

AUGUSTO – Eu te amo...

GISELE – Quando se está longe...

AUGUSTO – Eu te amo...

GISELE – Agora vai... Casa...

AUGUSTO – Fugir Gisele... Vamos fugir...

GISELE – Não... Assim não... Vai e casa... Mas espera leva um presente... (entrega-lhe um copo) Algo que acalma... Leva... Eleonora precisa de calma...

CENA 8
(Quarto de Eleonora)

AUGUSTO – (entrando) Eleonora...

ELEONORA – Você?! Mas você não deveria... Você sabe, isso pode dar azar... E...

AUGUSTO – Apenas superstições... Trouxe-lhe algo para beber...

ELEONORA – Obrigada... Espera... Eu sei que você não me ama... Mas sei.. A convivência... Eu o tratarei como um marido deve ser tratado... E o tempo... O tempo se encarregará do amor... Eu sei...

AUGUSTO – O tempo... Claro... Temos tempo, muito tempo... Tempo... O senhor das nossas vidas, ele que manda, desmanda...

(Eleonora bebe. Apagam-se as luzes.)

CENA 9
(Casamento. Eleonora e Augusto estão ajoelhados no altar. O padre fala. Jogam flores sobre os noivos. Eleonora começa a sentir a garganta queimando, seu corpo todo parece estar em brasas, então ela desaba sobre os braços de Augusto. Todos correm até ela. Gisele sorri..)

ELEONORA – (fala para Augusto quase sem voz) Você me amaria ... Eu sei que me amaria... (morre)

CENA 10
(Quarto de Teresa)

GISELE – Você me chamou, Teresa?

TERESA – Feche a porta. Vi você e Augusto...

GISELE – Eleonora está morta...

TERESA – Mamãe ainda vive...

GISELE – Amor...

TERESA – Obrigação, Gisele...

GISELE – Eu o amo como a um filho...

TERESA – Não compare...

GISELE – Filho... Filho sim...

TERESA – Um filho se carrega no ventre...

GISELE – Amor verdadeiro, Teresa...

TERESA – Mamãe saberá...

GISELE – Por favor...

TERESA – Não...

GISELE – Antônio...

TERESA – O quê?

GISELE – Traição...

TERESA – O que sabes?

GISELE – O que você não quer ver...

TERESA – Antônio...?

GISELE – Não terás filhos... Outras terão...

TERESA – Não...

GISELE – Traição...

TERESA – Traição? Nunca...

GISELE – Olhe, Teresa... Sinta... O cheiro, Teresa... A traição fede... (as luzes se apagam)

CENA 11
(Quarto de Teresa. Antônio chega bêbado.)

TERESA – Onde você estava? Será que sua mulher pode saber...

ANTÔNIO – Não...

TERESA – Como não, Antônio? Responde... Quem era a vagabunda desta vez...?

ANTÔNIO – Deixa de ser vulgar mulher...

TERESA – Eu vulgar? (bate em Antônio) Seu canalha... Maldito... Canalha...

ANTÔNIO – Basta... Chega mulher! Se alguém aqui é maldito, esse alguém é você... Sim você que nem é mulher... Porque não pode parir! Você é como uma pedra, fria... Você é fria! Até erva daninha brota em tudo que é canto, mas de você mulher não sai nada... Me casei com uma boneca... Que fala, se mexe... Mas nunca será uma mulher de verdade... Porque nunca será mãe... Nunca!

TERESA – (chora) Chega... Fora... Saia do meu quarto... Desgraçado... Desgraçado!

(Ele a beija a força. As luzes se apagam.)

CENA 12
(Quarto de Nora. Seu ventre começa a doer, ela sabia que ali estava o que a lembraria para sempre das maldades de Antônio. Chega à hora de parir. Ela se arrasta de dor até o seu quarto e lá sozinha pari uma criança que nasce em silêncio. Ela levantasse, limpa o sangue, junta a criança ao peito e vai para sua cama. Fica assim com a criança abraçada até o amanhecer. Quando o sol começa a surgir a criança chora, um choro fraco e sem força, mas Nora se desespera.)

NORA – Quieta... Não chora... Quieta... Quieta... Não chora... Não chora... Não chora... Não chora... Mãe, não chora... Pai, não chora... (enquanto fala pega o travesseiro põe sobre o rosto da criança e aperta com força até a criança parar de chorar, então ela retira o travesseiro e levanta a criança morta e a abraça) Por que você chorou? Por quê? Você não devia... (levantasse, abre a gaveta do armário, meio tonta, chora, pega um revólver e vai em direção ao quarto de Antônio e Teresa, abre a porta, os dois dormem, ela pega a criança e coloca entre eles, afastasse, observa, levanta a arma e atira na direção de Teresa e Antônio, solta a arma, ajoelha-se próximo à cama e desfalece em pranto)

CENA 13
(Gisele, após a morte de toda a sua família, dorme em seu quarto junto ao seu amado Augusto, porém os fantasmas da família a atormentam. As falas dos fantasmas se sobrepõem.)

ELEONORA – (com o vestido de noiva sujo de sangue) Veja Gisele, o vestido é lindo... Mas está sujo... Está na hora do casamento e o vestido está sujo, Gisele... Me ajuda... Ajude-me a limpá-lo... Hoje é o dia do meu casamento...

TERESA – Mamãe morreu, Gisele, sozinha naquela casa... Se você tivesse cuidado dela... Você deixou mamãe morrer... Gisele, você matou mamãe...

MÃE – Eu te avisei Gisele... Estou aqui mesmo depois de morta... Agora apanha a bacia e lava meus pés...

ANTÔNIO – (mostrando o bebê morto de Nora todo ensangüentado) Esse é o filho, Gisele... Meu filho morto... É homem... Meu filho é homem...

ELEONORA – O vestido...

ANTÔNIO – Meu filho morreu...

TERESA – Mamãe está sozinha ...

MÃE – Estou morta, Gisele... Morta...

(Gisele atormentada sai correndo e salta de um penhasco que dá no mar, cai entre as pedras. Morre. Começa a chover. Augusto acorda com o grito de Gisele,vê a cama vazia, o vento bate as janelas, ele corre em direção ao penhasco e vê o corpo de Gisele entre as pedras.)

CENA 14
(Mesma posição da cena inicial. Augusto está ajoelhado diante de Gisele morta.)

AUGUSTO – (se dirigi ao público) Quando vi sua cama vazia, corri como um louco, a chuva me impedia de enxergar... Corri até a beira do penhasco que dava ao mar... (toca o rosto de Gisele) Como te amei, Gisele... Olhei para baixo e uma lâmina fria penetrou meu peito, senti que ia explodir... Desci pelas pedras e alcancei seu corpo... (abraça Gisele) Gisele, minha Gisele... A toquei e as minhas mãos se encheram de sangue... Olhei seu vestido molhado... Gisele veio a mim como uma criança com medo... Seus olhos fechados, sujos de areia... (Toca o coração de Gisele) Agora seu coração silenciara... Está quietinho... Parado... Gisele, meu amor... Levei-a para nossa casa... Deitei-a sobre a mesa... Enxuguei seu corpo, troquei suas roupas... Gisele, minha filha, meu destino... (Beija a boca de Gisele) E a beijei... Seus lábios estavam frios... Lembrei-me de tudo... Tudo o que foi nossas vidas... Gisele... Meu pecado, minha alma... Eu nunca me aproximei de Gisele para machucá-la... Somente a amei mais do que tudo na vida... E agora Gisele está morta... E junto com ela morreu meu amor... Minha felicidade... Minha vida está morta! Sem Gisele meu sonho acabou... Não existe destino para mim... Dos meus pecados, o amor me salvou, e da vida, que já não é vida, o que resta é a solidão... E desta, qual seja o lugar onde eu estiver não fugirei... Gisele, luz da minha vida, meu destino, meu pecado, minha alma... (Chora abraçado ao corpo de Gisele. Apagam-se as luzes sobre eles)

CENA 15
(Acende um foco de luz sobre os fantasmas que assistiram toda a cena de Augusto)

MÃE – Solidão um medo...

ANTÔNIO – O destino de todos...

TERESA – Da morte em vida...

ELEONORA – Medo sem fuga...

NORA – Retratos de solidão!

(Um a um eles caem mortos. A luz em resistência vai se apagando.)


FIM