3 ATOS - Escola de Artes Cênicas

3 ATOS - Escola de Artes Cênicas Rua Aquidaban, 234-b, Centro Fone: (16) 3411 1408 ou 34 16 1997

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

RETRATOS DE SOLIDÃO - Peça montada pelo Núcleo Arame D'Arte de Estudos Teatrais

Caso queira montar essa peça, entrar em contato com o Núcleo Arame D'Arte de Estudos Teatrais através do e-mail: aramedarte@gmail.com

RETRATOS DE SOLIDÃO
De Alexandre Rodrigues

Personagens:

GISELE – Janaína Bianchi
AUGUSTO – Alexandre Rodrigues
ELEONORA – Candi Oliveira
NORA – Talita Triques
ANTÔNIO – Junior Roncon
TERESA – Mauren Micalli
MÃE – Fernanda Campos

CENA 1
(Na primeira cena vemos o final da peça. Augusto está ajoelhado diante de Gisele morta.)

AUGUSTO – (grita seu nome e chora) Gisele... Gisele... Meu pecado, minha alma... Meu pecado, minha alma... Meu pecado, minha alma... (a luz se apaga)

CENA 2
(Nora está em seu pequeno quarto, agarra-se a uma velha boneca de pano, balança, gira pelo quarto como se ouvisse música, finalmente para, coloca a boneca sentada num canto e ao lado põe outra boneca, representado seus pais.)

NORA – (fala sozinha) Mamãe, papai... Hoje a tarde estava tão vermelha... Eu parei, mamãe, e fiquei olhando o céu vermelho... Olhei para o sol até meus olhos se encherem de lágrimas... Pai, meus olhos ficam sempre cheios de lágrimas... (chora tristemente) Depois o sol sumiu, veio a noite e o silêncio... Me senti tão só, tão sozinha... Ainda bem que vocês chegaram (abraça as bonecas), achei que vocês não viessem me ver hoje... (ouve passos, fica com medo) Mãe, pai... Tenho tanto medo do escuro... De noite, às vezes, eu grito, mas parece que ninguém me ouve... (passos mais próximos) Pai estou com medo... (a porta do quarto se abre lentamente, ouve-se o seu ranger) Pai conta uma história bem bonita... (abraça seus próprios joelhos de medo e aperta-se contra a parede) Conta pai... (Entra Antônio, ela deita-se mecanicamente e chora, ele tampa sua boca e tenta beijá-la, ela morde a sua mão)

ANTÔNIO – Desgraçada... (bate em seu rosto, as luzes se apagam. Segundos depois se acendem novamente. Antônio se levanta fechando o zíper de sua calça e apertando seu sinto e sai, ela desce o vestido cobrindo os joelhos, agarra-se as bonecas, o seu choro cresce. Apagam-se as luzes.)

CENA 3
(Gisele está na praia. Augusto a vê e fica encantado com sua beleza.)

AUGUSTO – Com licença?

GISELE – (Ela está olhando para o mar) Azul...

AUGUSTO – Como?

GISELE – (Sem olhá-lo) Azul, azul...

AUGUSTO – Você está se sentindo bem?

GISELE – Azul...

AUGUSTO – Azul?

GISELE – Verde... Verde...

AUGUSTO – Não estou entendendo...

GISELE – Verde!

AUGUSTO – A água!?

GISELE – Amarelo... Amarelo... Amarelo...

AUGUSTO – O que é amarelo? A areia? O mar...?

GISELE – (Finalmente olha para Augusto) Branco... É branco...! O mar é branco! (Gisele o beija e foge. Augusto fica sem entender. As luzes se apagam)

CENA 4
(A família de Gisele está sentada à mesa aguardando o pretendente de Eleonora para o jantar.)

ELEONORA – Até que enfim eu vou me casar...

MÃE – Gisele nunca se casará...

ANTÔNIO – Teresa é fria... Fria...

TERESA – Mãe...

ELEONORA – Vou ficar livre... Livre de tudo...

MÃE – É a mais nova ... E a mais nova deve cuidar da minha velhice...

ANTÔNIO – Nunca terá filhos...

TERESA – Mãe...

ELEONORA – Livre... Livre...

ANTÔNIO – Teresa é fria... Fria... Fria...

MÃE – Todas na família podem parir...

TERESA – Mãe...

(Batem na porta)

MÃE – Entra...

AUGUSTO – (Vê Gisele, sorri, ela abaixa a cabeça) Eu sou Augusto...

MÃE – Senta...

AUGUSTO – Sobre o combinado...

MÃE – O que foi tratado não será desfeito...

AUGUSTO – (Olha para Gisele) Sobre a escolha...

MÃE – Não haverá escolha, já está decidido...

AUGUSTO – Mas...

MÃE – Sem mas... Levanta Eleonora... Está é a filha...

ANTÔNIO – (rindo) Teresa é fria... Nunca terá filhos...

TERESA – Mãe...

MÃE – (nervosa) Saiam... Você também Gisele...

AUGUSTO – Gisele ...

MÃE – Saia...

AUGUSTO – Gisele...

MÃE – Leva Eleonora... Leva Gisele daqui... (Eleonora arrasta Gisele para o quarto. Antônio e Teresa saem)

AUGUSTO – Gisele...

MÃE – O que pretende? Envergonhar sua família? Lembre-se do que foi combinado!

AUGUSTO – Mas eu não amo Eleonora...

MÃE – Amor... O que é amor? As bodas serão marcadas... Uma semana... Uma semana... (sai)

AUGUSTO – Gisele, meu destino... (Apagam-se as luzes)

CENA 5
(Sala de jantar. A família está sentada, Gisele entra)

MÃE – Senta...

GISELE – Não me casarei?

TERESA – É uma tradição... A mais nova...

ELEONORA – Nunca se casará...

MÃE – As mulheres já nascem casadas...

GISELE – E eu?

TERESA – Você... Nasceu para servir...

ELEONORA – Para cuidar de nossa mãe... Renegas a sua obrigação?

GISELE – Eu também tenho direito de amar e ser amada...

MÃE – Casamento não é amor...

ELEONORA – (olha para Teresa) É parir... É servir o marido antes de tudo...

MÃE – O amor vem depois...

ANTÔNIO – Quando vem... Porque casamento é juntar os bens... (olha para a mãe) Quando se tem... (olha para Teresa) É esperar que sua esposa lhe dê pelo menos um filho...

TERESA – Está bêbado...

MÃE – Bebes demais... Mas não trabalhas...

TERESA – É um vagabundo...

ANTÔNIO – Mas sou homem... Fique feliz, Gisele, por não se casar... O casamento é uma prisão...

MÃE – Chega de discussões... Eleonora casa... Gisele não...

GISELE – (levantando-se) Até que você morra, mamãe...

MÃE – O quê? Pensas em me matar?

ELEONORA – Estás louca?

TERESA – Completamente louca!

MÃE – Nem se eu morrer... Estarei aqui mesmo depois de morta... (Apagam-se as luzes)

CENA 6
(Quarto de Eleonora, ela está diante de um espelho vestida de noiva. Dia do seu casamento com Augusto.)

ELEONORA – Nora, como estou? É uma pena que não saia uma só palavra de sua boca, mas sei o que você diria neste momento... “Eleonora você é a mais bela de todas as noivas...” Obrigada, Nora! Agora saia, quero poder me despedir deste quarto, deste silêncio, destas janelas, fechadas desde a morte do meu pai... (Nora sai) Adeus silêncio... Adeus solidão... Até que enfim vou estar livre, livre de todos, livre de tudo... Nora, Nora... (Nora entra) Queime todos esses vestidos ... Não quero mais me cobrir de luto, a partir de hoje só vestirei branco...

GISELE – (entrando) Eleonora, está pronta? Seu noivo já chegou...

ELEONORA – Já vou descer...

GISELE – Eleonora? (pausa) Você o ama?

ELEONORA – (nervosa) Me deixe sozinha Gisele...

GISELE – Claro que não... Nem sabe o que é o amor...

ELEONORA – (gritando) Saia... (Gisele sai. Eleonora se olha no espelho com tristeza.)

CENA 7
(Fora da casa. Gisele e Augusto estão se tocando..)

AUGUSTO – Olhos...

GISELE – Boca...

AUGUSTO – Beijo...

GISELE – Beijo...

(Beijam-se ardentemente)

AUGUSTO – Eu te amo...

GISELE – Quando se está junto...

AUGUSTO – Eu te amo...

GISELE – Quando se está longe...

AUGUSTO – Eu te amo...

GISELE – Agora vai... Casa...

AUGUSTO – Fugir Gisele... Vamos fugir...

GISELE – Não... Assim não... Vai e casa... Mas espera leva um presente... (entrega-lhe um copo) Algo que acalma... Leva... Eleonora precisa de calma...

CENA 8
(Quarto de Eleonora)

AUGUSTO – (entrando) Eleonora...

ELEONORA – Você?! Mas você não deveria... Você sabe, isso pode dar azar... E...

AUGUSTO – Apenas superstições... Trouxe-lhe algo para beber...

ELEONORA – Obrigada... Espera... Eu sei que você não me ama... Mas sei.. A convivência... Eu o tratarei como um marido deve ser tratado... E o tempo... O tempo se encarregará do amor... Eu sei...

AUGUSTO – O tempo... Claro... Temos tempo, muito tempo... Tempo... O senhor das nossas vidas, ele que manda, desmanda...

(Eleonora bebe. Apagam-se as luzes.)

CENA 9
(Casamento. Eleonora e Augusto estão ajoelhados no altar. O padre fala. Jogam flores sobre os noivos. Eleonora começa a sentir a garganta queimando, seu corpo todo parece estar em brasas, então ela desaba sobre os braços de Augusto. Todos correm até ela. Gisele sorri..)

ELEONORA – (fala para Augusto quase sem voz) Você me amaria ... Eu sei que me amaria... (morre)

CENA 10
(Quarto de Teresa)

GISELE – Você me chamou, Teresa?

TERESA – Feche a porta. Vi você e Augusto...

GISELE – Eleonora está morta...

TERESA – Mamãe ainda vive...

GISELE – Amor...

TERESA – Obrigação, Gisele...

GISELE – Eu o amo como a um filho...

TERESA – Não compare...

GISELE – Filho... Filho sim...

TERESA – Um filho se carrega no ventre...

GISELE – Amor verdadeiro, Teresa...

TERESA – Mamãe saberá...

GISELE – Por favor...

TERESA – Não...

GISELE – Antônio...

TERESA – O quê?

GISELE – Traição...

TERESA – O que sabes?

GISELE – O que você não quer ver...

TERESA – Antônio...?

GISELE – Não terás filhos... Outras terão...

TERESA – Não...

GISELE – Traição...

TERESA – Traição? Nunca...

GISELE – Olhe, Teresa... Sinta... O cheiro, Teresa... A traição fede... (as luzes se apagam)

CENA 11
(Quarto de Teresa. Antônio chega bêbado.)

TERESA – Onde você estava? Será que sua mulher pode saber...

ANTÔNIO – Não...

TERESA – Como não, Antônio? Responde... Quem era a vagabunda desta vez...?

ANTÔNIO – Deixa de ser vulgar mulher...

TERESA – Eu vulgar? (bate em Antônio) Seu canalha... Maldito... Canalha...

ANTÔNIO – Basta... Chega mulher! Se alguém aqui é maldito, esse alguém é você... Sim você que nem é mulher... Porque não pode parir! Você é como uma pedra, fria... Você é fria! Até erva daninha brota em tudo que é canto, mas de você mulher não sai nada... Me casei com uma boneca... Que fala, se mexe... Mas nunca será uma mulher de verdade... Porque nunca será mãe... Nunca!

TERESA – (chora) Chega... Fora... Saia do meu quarto... Desgraçado... Desgraçado!

(Ele a beija a força. As luzes se apagam.)

CENA 12
(Quarto de Nora. Seu ventre começa a doer, ela sabia que ali estava o que a lembraria para sempre das maldades de Antônio. Chega à hora de parir. Ela se arrasta de dor até o seu quarto e lá sozinha pari uma criança que nasce em silêncio. Ela levantasse, limpa o sangue, junta a criança ao peito e vai para sua cama. Fica assim com a criança abraçada até o amanhecer. Quando o sol começa a surgir a criança chora, um choro fraco e sem força, mas Nora se desespera.)

NORA – Quieta... Não chora... Quieta... Quieta... Não chora... Não chora... Não chora... Não chora... Mãe, não chora... Pai, não chora... (enquanto fala pega o travesseiro põe sobre o rosto da criança e aperta com força até a criança parar de chorar, então ela retira o travesseiro e levanta a criança morta e a abraça) Por que você chorou? Por quê? Você não devia... (levantasse, abre a gaveta do armário, meio tonta, chora, pega um revólver e vai em direção ao quarto de Antônio e Teresa, abre a porta, os dois dormem, ela pega a criança e coloca entre eles, afastasse, observa, levanta a arma e atira na direção de Teresa e Antônio, solta a arma, ajoelha-se próximo à cama e desfalece em pranto)

CENA 13
(Gisele, após a morte de toda a sua família, dorme em seu quarto junto ao seu amado Augusto, porém os fantasmas da família a atormentam. As falas dos fantasmas se sobrepõem.)

ELEONORA – (com o vestido de noiva sujo de sangue) Veja Gisele, o vestido é lindo... Mas está sujo... Está na hora do casamento e o vestido está sujo, Gisele... Me ajuda... Ajude-me a limpá-lo... Hoje é o dia do meu casamento...

TERESA – Mamãe morreu, Gisele, sozinha naquela casa... Se você tivesse cuidado dela... Você deixou mamãe morrer... Gisele, você matou mamãe...

MÃE – Eu te avisei Gisele... Estou aqui mesmo depois de morta... Agora apanha a bacia e lava meus pés...

ANTÔNIO – (mostrando o bebê morto de Nora todo ensangüentado) Esse é o filho, Gisele... Meu filho morto... É homem... Meu filho é homem...

ELEONORA – O vestido...

ANTÔNIO – Meu filho morreu...

TERESA – Mamãe está sozinha ...

MÃE – Estou morta, Gisele... Morta...

(Gisele atormentada sai correndo e salta de um penhasco que dá no mar, cai entre as pedras. Morre. Começa a chover. Augusto acorda com o grito de Gisele,vê a cama vazia, o vento bate as janelas, ele corre em direção ao penhasco e vê o corpo de Gisele entre as pedras.)

CENA 14
(Mesma posição da cena inicial. Augusto está ajoelhado diante de Gisele morta.)

AUGUSTO – (se dirigi ao público) Quando vi sua cama vazia, corri como um louco, a chuva me impedia de enxergar... Corri até a beira do penhasco que dava ao mar... (toca o rosto de Gisele) Como te amei, Gisele... Olhei para baixo e uma lâmina fria penetrou meu peito, senti que ia explodir... Desci pelas pedras e alcancei seu corpo... (abraça Gisele) Gisele, minha Gisele... A toquei e as minhas mãos se encheram de sangue... Olhei seu vestido molhado... Gisele veio a mim como uma criança com medo... Seus olhos fechados, sujos de areia... (Toca o coração de Gisele) Agora seu coração silenciara... Está quietinho... Parado... Gisele, meu amor... Levei-a para nossa casa... Deitei-a sobre a mesa... Enxuguei seu corpo, troquei suas roupas... Gisele, minha filha, meu destino... (Beija a boca de Gisele) E a beijei... Seus lábios estavam frios... Lembrei-me de tudo... Tudo o que foi nossas vidas... Gisele... Meu pecado, minha alma... Eu nunca me aproximei de Gisele para machucá-la... Somente a amei mais do que tudo na vida... E agora Gisele está morta... E junto com ela morreu meu amor... Minha felicidade... Minha vida está morta! Sem Gisele meu sonho acabou... Não existe destino para mim... Dos meus pecados, o amor me salvou, e da vida, que já não é vida, o que resta é a solidão... E desta, qual seja o lugar onde eu estiver não fugirei... Gisele, luz da minha vida, meu destino, meu pecado, minha alma... (Chora abraçado ao corpo de Gisele. Apagam-se as luzes sobre eles)

CENA 15
(Acende um foco de luz sobre os fantasmas que assistiram toda a cena de Augusto)

MÃE – Solidão um medo...

ANTÔNIO – O destino de todos...

TERESA – Da morte em vida...

ELEONORA – Medo sem fuga...

NORA – Retratos de solidão!

(Um a um eles caem mortos. A luz em resistência vai se apagando.)


FIM







Um comentário:

janabiba disse...

QUE SAUDADE!!!!
PECA MARAVILHOSA!!!!!
AMO VCS!!!!1